M1: Bom dia, boa tarde, boa noite, vamos começar mais um episódio dos agilistas. Hoje nós estamos com um convidado que espero ter várias vezes, pode falar de vários temas diferentes, é o Fábio Pereira que vai se apresentar daqui a pouquinho. Hoje, especificamente, vamos falar de um tema muito interessante, que é sobre consciência digital. Antes de entrar no tema, Fábio, conta sua história um pouquinho, se apresenta. Você tem um background bem amplo, acho isso super interessante, por isso falei que possivelmente vai render muitos temas diferentes. Se apresente, por favor.
M2: Primeiro, obrigado pelo convite, e tomara que seja uma série de alguns episódios relacionados a alguns temas que sou apaixonado. Um deles, com certeza, é a consciência digital, que a gente vai falar bastante. Contando um pouco da minha história, eu sou um apaixonado por tecnologia e pessoas. Fiz ciências da computação e acabei descobrindo é que o que eu era realmente apaixonado é pelo comportamento humano. Entrei um pouco para gestão e acabei virando executivo de inovação de uma multinacional, que é a Red Hat, só que minha história tem uns capítulos que posso contar. Eu venho de uma cidade do interior da Paraíba, com muito orgulho, chama Pombal, e acabei me formando em computação, vim para São Paulo e, em 2008, peguei tudo que tinha, coloquei em três malas e fui morar na Austrália. Fiquei oito anos lá, peguei cidadania, hoje sou cidadão australiano, e voltei para o Brasil com um sonho de trazer muita coisa que aprendi e apliquei na minha vida, para o ecossistema do Brasil. Cheguei com um livro, o consciência digital, que é o que a gente vai falar um pouco mais aqui. Eu tenho o sonho de ser bilionário, mas não de dinheiro, eu quero expandir a consciência digital de um bilhão de pessoas.
M1: Uma coisa que gostei muito é que você falou de ser apaixonado por tecnologia e por gente. Muitas vezes, as pessoas acham que isso é mutuamente exclusivo. A fama de quem gosta de tecnologia é que não gosta de gente. Eu sempre comento no podcast que as empresas que querem ficar ágeis e criar estruturas mais orgânicas, essencialmente, tem que entender o comportamento humano, por estar lidando com gente, não recursos. Eu acho interessantíssimo isso que você disse.
M2: Com certeza. Faz uns nove anos que não desenvolvo mais, mas quando era, acabei descobrindo que o mais difícil dos projetos que participava não era tecnologia, era a tomada de decisão, influência, essa irracionalidade do ser humano. Eu comecei a estudar os grandes autores, como Daniel Kahneman, Daniel Rieley, Richard Taylor, que escreveu o livro Nudge, alguns desses ganharam prêmio Nobel de ter inventado coisas, e eu me apaixonei por isso, decidi que queria ser especialista no comportamento humano, e iria aplicar isso no trabalho como tecnologista, agilista, e dar para aplicar muita coisa, tem muita correlação. Eu acabei até escrevendo o capítulo de um livro, chamado a psicologia cognitiva explicando o ágil. Eu trabalhei dez anos na ThoughtWorks, que é uma das empresas pioneiras de agilidade no mundo, trabalhei com Martin Fowler, Paulo Caroli, que é um dos grandes agilistas do Brasil, e fui conectando a psicologia, essa parte da ciência do comportamento humano, com tecnologia, agilidade, inovação e surgiu esse negócio chamado consciência digital.
M1: O Caroli já gravou dois episódios excelentes com a gente. Você disse que tem o sonho de fazer um bilhão de pessoas terem consciência digital. O que é isso?
M2: Primeiro vou falar o que não é. É a gente ser influenciado, manipulado e tomar essas decisões que a gente toma hoje sem saber. A ciência mostra que a gente toma, em média, 35 mil decisões por dia. É muita decisão. Só que 90% dessas decisões são tomadas de forma inconsciente. Para falar da consciência, preciso falar da inconsciência primeiro. A gente é influenciado o tempo todo a tomar decisão. Às vezes a gente abre o nosso celular, fica no Instagram meia hora e nem sente, liga o Netflix, fica assistindo série por quatro horas e nem sente. A gente faz essas coisas sendo levado, como se fosse uma corrente do mundo. Eu quero ter o controle das minhas decisões, então o primeiro nível de consciência digital é eu saber que não tenho controle sobre todas as minhas decisões e assumir para mim mesmo que sou manipulável, influenciável. Lembro de um momento que assisti uma palestra do Daniel Rieley, em que mostrava como é fácil influenciar uma decisão do ser humano. Eu pensava que não sou desse jeito, só os outros cairiam. E não, todo mundo é irracional. O livro do Daniel chama previsivelmente racional, pela razão de todo mundo ser irracional. A consciência digital é um nível que o ser humano pode chegar onde a gente consegue entender nossa relação com o mundo digital, que são todas as telas, a inteligência artificial, os celulares, os formatos de streaming, como Netflix, Amazon Prime, GloboPlay, o próprio YouTube, é basicamente qualquer forma que a gente interage com o digital, seja através de uma tela, comando de voz, qualquer interface, mas a gente ter consciência de que as decisões que tomo são influenciadas. O exemplo mais simples que dou é o do GPS, se eu sair de casa, quiser ir para algum lugar, coloco o GPS, que vai me guiando. É uma decisão que estou delegando para o GPS e faço isso de forma consciente. O que acontece é que a gente usa vários GPS na vida sem saber que está usando e a gente acaba ficando sem tempo para fazer o que realmente quer, acaba consumindo muita informação, tem uma dimensão da consciência digital que é saber consumir o que realmente precisa na internet, porque é muita informação hoje. Eu defini os cinco Cs da consciência digital, que são as cinco habilidades das pessoas que tem essa consciência.
M1: O primeiro passo é a gente reconhecer que tem vieses, inerentes à natureza humana. Isso que você falou é super curioso, a gente vê aqueles exemplos de ancoragem, em que o cara vê um número alto e estima mais alto. Você fala que não é possível que também é assim, tão manipulável. Antes de entrar nos cinco Cs, você poder dar exemplos desses vieses? Acho interessante para ilustrar isso que você falou. Eu acredito em modelo mental, se você começa a perceber que é assim, aceita a tomar certas atitudes que vão te ajudar a não ser manipulado, mas se acha que é imanipulável, tem uma consciência perfeita, não é sujeito a vieses, vai achar que é bobagem e não precisa disso. Quais seriam os exemplos de vieses que chocariam os ouvintes?
M2: Eu amo uma lista de vieses, se você quiser, depois mando link para colocar e compartilhar com a audiência. Existem mais de 180 vieses já mapeados no mundo, e desses, tem um que gosto muito, que é o viés da escassez. Ele é usado da seguinte forma: você tem um produto, serviço, alguma coisa que existe em abundância, mas cria uma escassez artificial. Por exemplo, recentemente surgiu o Clubhouse, que é a nova plataforma de áudio. O pessoal do Clubhouse gerou escassez. Todo mundo que entrava recebia convites e só podia entrar se fosse convidado. No nosso cérebro, a gente quer um convite. O pessoal estava vendendo convite do Clubhouse porque tinha escassez, se não tivesse, qualquer pessoa podendo entrar, eu aposto que o desejo seria menor, porque é isso que a ciência mostra. A ciência mostra que quando você gera escassez, gera um desejo maior naquela pessoa de ter aquilo. Tem um site que faz isso muito bem, que é o…
M1: Às vezes é algo que o cara nem quer.
M2: É, você não quer, mas fala que tem um. Um site que faz isso muito bem feito é o Booking.com. Eu até conto a história no meu livro. Você entra no booking e procura um hotel. Estou indo viajar e a primeira coisa que aparece é que existem 38 pessoas vendo esse mesmo quarto que você está vendo. Esse já é outro viés. Tem a escassez, que diz que só tem um quarto disponível. Em 18 pessoas estão vendo este mesmo quarto, já tem o conceito de prova social, ou seja, se tem 18 pessoas vendo, o negócio deve ser bom. Todos esses vieses vão influenciando nossa decisão. Eu clico no botão de agendar porque fiquei com medo de perder. Geralmente esses vieses tocam a gente no medo de perder alguma coisa, que é um termo chamado loss aversion, aversão à perda, que é outro viés. Ou seja, todos esses vieses vão atuando na gente e a gente acaba tomando decisões muito irracionais e inconscientes.
M1: A gente, hoje, vive em uma economia onde nossa tensão é o produto, e se a gente foca a tensão para o lugar errado, não vive, fica vivendo a vida que alguma marca está planejando para a gente. Posto isso, de as pessoas ficarem conscientizadas que estão sujeitas aos vieses, como evitar isso, quais são esses cinco Cs? A consciência digital é entender que isso existe e navegar na vida de tal forma que eu seja talvez até manipulado, mas na medida saudável, que me permita fazer as coisas que quero.
M2: É exatamente. Até gostei do jeito que você descreveu. Se eu for manipulado, é porque estou deixando. Tipo o GPS, me manipula, me leva para onde você quer me levar que eu deixo você fazer isso. Essa é exatamente a consciência, você tomar as decisões sabendo que está tomando por aquela razão. O primeiro C é exatamente do controle. Você ter o controle das suas decisões. O controle remoto está na sua mão, não na de outra pessoa ou no seu celular. Eu sempre faço uma pergunta, quem controla o seu celular é você ou é o seu celular que controla você? Você controla ou é controlado? Muitas vezes a gente deixa o equipamento digital controlar a gente. Por exemplo, quando vou ver uma série. O Netflix implementou uma funcionalidade muito interessante que chama autoplay. Você está vendo o episódio três, quando termina, ele já passa para o episódio quatro sem você fazer nada. Essa decisão de assistir outro episódio não foi minha, eu não fiz nada e o Netflix tomou a decisão por mim.
M1: A decisão tem que ser de não assistir.
M2: Exatamente, eu tenho que tomar a decisão de não assistir. Se eu não fizer nada, que é o viés do status quo, da inércia, aquilo vai acontecer. Não fazer nada faz com que eu assista. A decisão do nada é assistir. É você ter esse controle e saber que o controle está na sua mão. Tem um outro C que, durante minhas pesquisas, percebi que as pessoas reclamam da falta de equilíbrio que ficam conectadas e desconectadas. Eu defini uma habilidade como o equilíbrio conectado desconectado, que é basicamente você saber o nível de tempo que você quer ficar conectado e desconectado. A gente acaba se conectando com algumas pessoas usando o digital, porque ele ajuda a aproximar quem está longe, mas acaba afastando quem está perto. Às vezes tem uma pessoa do seu lado e você está desconectado dessa pessoa porque está conectado em outros lugares mais virtuais. Então tem esse equilíbrio do conectado desconectado. E tem um que é exatamente os vieses inconscientes, tem mais de 180 e acredito que quanto mais a gente estudá-los, mais a gente vai tomar essas decisões sabendo que está tomando e sabendo do viés. Eu estou sendo influenciado, existe o viés da escassez, mas vou tomar a decisão mesmo assim. E tem um que é a habilidade de identificação do pensamento crítico. Esse tem muito a ver com fake news, compartilhar tudo o que recebe. Quem nunca, em grupo de família, viu alguém compartilhando fake news? Eu sou o caça fake news. O meu pensamento crítico é tão aguçado que fico caçando fake news, já procuro, tem vários sites que ajudam a ver o que é ou não verdade, mas a definição de verdade, hoje, na internet, está difícil. A gente precisa, basicamente, questionar tudo, sempre, e validar antes de repassar para outra pessoa, porque se não, vai estar sendo responsável por passar uma coisa para frente. E o último C é o da concentração e foco. A gente vive em um mundo onde tem muita distração, vive sendo distraído. Tem um livro que fiz a tradução técnica, que está na minha mão, chama indistraível. Como dominar sua atenção e assumir o controle da sua vida? Ele é do mesmo autor de um livro muito famoso que é o hooked. Esses dois livros são de Nir Eyal e fala que para a gente ter foco, concentração e fazer o que precisa fazer na vida, a gente precisa ser indistraível, que nada mais é que ter concentração e foco para fazer o que a gente quer fazer da vida. O que acontece hoje é que entra no celular para ver algo, depois vê outra, e vê outra, daqui a pouco está vendo vídeo de gatos no YouTube, sem nem saber como chegou lá, porque a gente não teve foco e concentração.
M1: Muito interessante. Queria te fazer uma provocação. Primeiro, achei super legal que, no fundo, é: não seja um pato, aquele cara que fica no mundo, que está passando, e é manipulado com fake news, para comprar coisas, alguém tira sua atenção do que talvez quisesse estar fazendo mesmo, te tira de perto da família, amigos, e passou o tempo. Quando você faz uma reflexão e olha para trás, se pergunta o que fez com seu precioso tempo. É quase uma pergunta sobre alocação de tempo. A questão é: a resposta para isso é ficar sistemático? Eu falo isso porque sou zero sistemático, tenho dificuldade. Estar ligado a ser mais sistemático, extremamente disciplinado, ou não necessariamente?
M2: Depende da sua definição de sistemático e disciplinado. Acho que tem a ver com disciplina, mas não aquela disciplina chata. A autodisciplina, onde eu tenho poder do que vou fazer e liberdade total, não que vem de outro lugar, que alguém me diz o que tenho que fazer. É minha mesmo, com muito nível de autonomia e liberdade de mim comigo mesmo. Se eu quiser definir que vou ficar uma hora navegando sem fazer nada na minha timeline, eu fico, e isso também é disciplina, de também tirar o seu tempo para ficar sem fazer nada. A gente, hoje em dia, acha que tem que estar ocupado o tempo todo. É retomar um pouco o conceito do ócio criativo, que a gente sabe que existe, mas também é um ócio consciente, de não fazer nada para dar uma recarregada no cérebro. A gente fica o tempo todo se carregando de coisas, consumindo informação. Acho que tem a ver com disciplina, sim, mas uma disciplina com liberdade, autonomia e autocontrole. Com certeza, tem, se não a gente vai sendo levado pelo mundo ao invés de levar a nossa vida para onde quer que ela vá.
M1: Imagina que está ouvindo, como começa essa trajetória? É a pergunta de todo mundo, a gente fala muito, até no âmbito do agilismo mesmo, que o ser humano adora ter o pensamento mágico, fica achando que vai comprar uma pílula e ficar disciplinado, ágil. Na verdade, é uma trajetória dolorida que depende muito da pessoa querer fazer. Dificilmente vai ter uma prescrição, mas como uma pessoa começa? Ela ficou sensibilizada. Aproveito até para perguntar se você usa aquelas ferramentas do Nudge. Eu vi que você estuda esse assunto. Você usa esses pequenos estímulos, o ambiente ajuda também, como é essa trajetória?
M2: Eu adoro essa pergunta, de por onde começar. Eu recebo bastante essa pergunta e gosto de usar uma analogia, que adoro. Como as analogias e metáforas ajudam a gente a entender o mundo que vive. A que uso é a seguinte, imagina que você quer melhorar sua qualidade de vida, sua saúde, forma de se alimentar. O que faz? Pode ir no nutricionista, subir em uma balança e ver o peso, fazer exame de sangue e ver como estão nossas taxas, fazer um raio X de si mesmo e se observar. Existem ferramentas que fazem isso no mundo digital também. O próprio Google lançou o conceito de bem estar digital, ou em inglês, o digital well being, é um conceito criado para mostrar para a pessoa caminhos, como se fossem nossas próprias balanças. Existem aplicativos tanto nas plataformas de iPhone quanto nas do Google, Android e IOS, que mostram para a gente métricas de quanto tempo uso o aplicativo, quais são os que mais uso. É como se fosse a balança, que estou subindo e fazendo meus exames para me autoconhecer. O primeiro passo é o autoconhecimento. Eu não posso melhorar nada em mim se não conhecer aquela coisa dentro de mim e souber onde preciso melhorar. Se eu passar me auto observar e começar a fazer anotações de quanto tempo fico fazendo isso ou aquilo, quanto tempo uso telas, assistindo séries no Netflix, você vai ter uma visão da sua vida, do que chamo de nosso peso digital. Por isso que é subir na balança. Será que estou acima do peso? Não sei, vai depender do que quero para minha vida. Isso é um processo muito individual, independente de cada um, não é prescritivo, não existe receita para passar. É um processo individualizado, por isso é processo de mentoria, um a um, funciona muito bem, assim com nutricionista. Eu vou ao nutricionista com muita frequência, uma vez a cada três meses, que me guia pela minha vida. É um processo um a um de autoconhecimento e ela me pergunta o que quero para os próximos meses, se é aumentar massa muscular, por comer mais carboidrato, treinar mais. É um processo nesse sentido, uso essa analogia do nutricionista porque é individual, de cada um, mas existem ferramentas que podem nos ajudar a ser mais conscientes.
M1: Entendi. E os cinco Cs são pilares, onde, uma vez feito um diagnóstico de onde estou, a pessoa fica observando e fala que está totalmente sem controle ou que está completamente desbalanceado, e começa a atacar um pilar desses, é esse o caminho?
M2: Seria exatamente isso. É bom conversar, que a pessoa já entende, você já entendeu. Tem uma ferramenta que chama roda da vida, do mundo do coaching, tem gente que gosta e que não gosta. Essa ferramenta é interessante porque mostra que, na nossa vida, temos dimensões. Você imagina que tem a dimensão da vida financeira. A sua vida financeira e sua saúde são duas dimensões totalmente diferentes. Você pode estar muito bem financeiramente e mal de saúde ou muito bem de saúde e mal financeiramente. Essa ferramenta me inspirou criar a ferramenta de análise das habilidades, porque se estou precisando trabalhar minha vida financeira, vou trabalhar a financeira, se precisar trabalhar meu equilíbrio conectado desconectado, é essa habilidade que vou focar. É como se fosse o teste inicial de subir na balança para a gente ver qual dessas dimensões precisam ser trabalhadas e onde dói. Será que está doendo porque tenho um projeto de vida que não consigo avançar? É a questão de encontrar a dor da pessoa e onde a consciência digital pode ajudar nisso.
M1: Isso traz até questões existenciais à tona. Tem gente que, talvez, prefira ficar distraída, do que ter que assumir essa responsabilidade toda, por onde quer chegar. É uma reflexão. O cara está maratonando séries e o dia inteiro curtindo coisas, que me parecem um grande desperdício. É curioso. Existe também esse tipo de reflexão filosófica? Cada um decide o que quer da própria vida, quem vai julgar a vida de quem?
M2: Quem vai não sou eu, não sou ninguém para julgar a vida da outra pessoa. É por isso que o caminho é da pessoa. Se converso com alguém e a pessoa acha que não tem nada que precisa mudar e melhorar, beleza. Vida que segue. Mas a pessoa chega e fala que está sentindo que precisava terminar um projeto, mas não consegue porque ficar procrastinando. Procrastinação é outro conceito muito grande dos vieses do ser humano. A gente fica deixando tudo para depois, tem a lei de Parkinson, que diz que o tempo que você tem para fazer uma tarefa. Se tiver um dia, leva um dia, se tiver um mês, leva um mês, e a gente expande aquele tempo.
M1: É igual o gás, não é?
M2: É igual o gás, exatamente. Ele assume o espaço dado. Uma coisa que gosto de conectar muito com agilidade é o conceito dos prazos. O que é o conceito de um modelo interativo que o Scrum trouxe de, por exemplo, criar o conceito de sprints pequenas. Isso nada mais é que você trazer prazos menores, porque o ser humano procrastina. Se eu for procrastinar no projeto de um ano, só tem um prazo, que é um ano. Projeto cascatão. Se eu tiver um sprint semanal, eu tenho pequenos prazos de uma semana para procrastinar a cada semana.
M1: Está comprimindo o gás, ao invés de expandir. Está usando a lei de Parkinson a seu favor.
M2: Respondendo mesmo à pergunta, acho que a liberdade e autonomia estão em cada um. Acredito muito que cada ser humano tem que ter essa liberdade, mas o que acontece é que, às vezes, a gente nem sabe. Se não fosse isso, aquele documentário do dilema das redes não teria feito tanto sucesso. Recebi tanta mensagem relacionada àquele documentário, o pessoal dizendo que não sabia que era assim. Não é que a pessoa sabe e quer ficar dentro daquilo sabendo, na maioria das vezes não é desse jeito. Na maioria das vezes, a pessoa não sabe que está sendo usada, manipulada e influenciada. Uma vez que você soube e decidiu ficar lá, ótimo.
M1: Esse documentário é interessante. Quando pega os personagens dizendo que o cara sumiu e tem que fazer ele voltar, tem gente que fala que é exagerado, mas não é. É exatamente isso, você fica lutando, sua tensão. Esse tema realmente é muito relevante e engraçado que a gente não foge do conhece a ti mesmo, do Sócrates. Primeiro, você tem que se conhecer, para depois saber o que faz. Eu não sei se você tem conhecimento específico sobre isso, mas é uma pergunta que não posso deixar de fazer, porque tenho filhos e vejo desde novos. Você está falando uma coisa que, para mim, é como se fosse algo a ser ensinado na escola a ter consciência digital. Eu falo para os meus meninos que somos susceptíveis a dopamina, mas como explica isso para criança. A gente fica ganhando recompensas o tempo todo e, de tudo que a gente falou aqui, quando entende essa natureza de processo de vício, o (inint) fala que você não vai dar álcool a seus filhos, mas deixa seus filhos ficarem ali. É a pressão social, todos os outros estão fazendo, com eletrônicos, com a pandemia, isso agrava mais, você fica lutando para combater. Parece que essa consciência digital deveria começar novinho. Como você enxerga isso?
M2: É legal você ter citado essa fala do Simon. Eu lembro mesmo dessa vez que ele fala da dopamina, eu até cito no capítulo do livro. Acredito que a gente não conhece todos os efeitos negativos. Você deve lembrar, pouco mais de 20 anos atrás, quando o cigarro era visto como uma coisa super legal, ninguém sabia dos efeitos do cigarro relacionado ao câncer de pulmão e todas as doenças respiratórias que pode causar. A gente vive em um mundo onde o digital está nesse nível, a gente ainda não conhece os efeitos e parece bonito você entregar um celular na mão do seu filho e deixar ele quatro horas com aquele celular. Parece legal você terceirizar o serviço de cuidar da criança. O Steve Jobs, muito sábio, não deixava os filhos dele usarem os equipamentos, o iPhone. Ele devia imaginar que aquele negócio era tão viciante que já não deixava. Tem algumas pesquisas saindo sobre a falta de interação com pessoas, a criança brincar na rua com os outros, se sujar, quando eu era criança, brincava de bolinha de gude, peão na rua e, agora a criança fica no celular. O conceito de realidade para aquela criança está sendo totalmente transformado, a gente não sabe ainda quais são todos os efeitos. De novo, trazendo uma palavra que guia muito a minha vida, é o equilíbrio. Não acho que o celular é tão prejudicial como, exemplo, o cigarro, que você deve realmente tirar a pessoa, mas usar com um pouco de equilíbrio. Tem uma psicóloga com quem eu fiz uma live, a Bianca, e é muito mais experiente que eu nessa questão de psicologia infantil, que me deu uma dica interessante. Ela disse que existem aplicativos que deixam a criança passiva. Por exemplo, a criança, ao assistir um vídeo do YouTube, está passivamente assistindo, e existem aplicativos que fazem a criança ser ativa, ou seja, fazer um desenho, algum joguinho que, de alguma forma, usa a cognição. Existe uma recomendação que se use um desses mais ativos do que o passivo, para que a criança tenha a ação de fazer alguma coisa e não ficar só passivamente consumindo. Gosto sempre de falar isso.
M1: Super interessante, o nosso cérebro é super elástico, vai formando conexões baseado no que acontece fora. Gosto muito da imagem do cérebro dentro de uma caixa preta fechada, onde chegam os estímulos. Na medida em que você não tem contato com uma realidade física, só contato com realidade virtual, é claro que aquele ser está mapeando o mundo diferente. Se ainda, além de ter contato só com uma realidade virtual, só passivo. Quando pensa sobre isso, é muito assustador. É claro que você está produzindo um tipo de pessoa diferente, não é um detalhe como a gente podia pensar. E quando você falou do cigarro, é interessante. Eu estou vendo a série Mad Men, na década de 60. Fumar parecia quase obrigação. É engraçado, o médico atende a consulta fumando, os caras fumam no escritório, almoça e janta fumando. Essa analogia é interessante, é um ato pervasivo. Hoje mesmo o celular está em todo lugar, o tempo todo, você está com um amigo e está com celular, está na cozinha com o celular, conversando com alguém e olhando mensagem.
M2: Tem muito experimento que a ciência mostra que o ser humano faz o que os outros estão fazendo. O fator do bandwagon effect, que é de vai junto com quem está indo. O experimento do pessoal que entra no elevador e todo mundo virado de costas para o elevador. Todos são atores e entra uma pessoa. Ela pensa um pouquinho e faz a mesma coisa. Se você pergunta para a pessoa o porquê de ela estar fazendo isso, ela geralmente responde: não sei, eu fiz porque todo mundo a minha volta estava fazendo. A gente faz muita coisa porque está todo mundo a nossa volta fazendo, o ser humano é muito de ir com manada. Está todo mundo indo, eu vou também, não sei nem porquê.
M1: Essa é uma visão do ser humano, nós somos manipuláveis, cheios de vieses e ainda vamos com a manada. Cada pessoa se sente tão autônoma e independente. Parece o filme daquele comediante.
M2: Do Truman?
M1: Do Truman, que fala que está vivendo de um jeito. Quando você olha, vê que faz as coisas porque os outros fazem, sou manipulado o tempo todo. É como se caísse na real, de repente. Nós estamos chegando ao final. Queria emendar como a gente transporta isso para o ambiente de trabalho, porque essa consciência digital é importante. Quando fala em foco, produtividade, não procrastinar, tem uma aplicabilidade direta, não tem?
M2: Tanto tem uma aplicabilidade no trabalho quanto tem uma correlação muito grande com as coisas que a gente traz na agilidade. Por exemplo, vamos falar de concentração e foco. O conceito de pareamento foi trazido pelo XP, com o que comecei a trabalhar em 2005. Não tinha nem Scrum no Brasil, a gente trouxe para cá em 2007, participei da primeira turma junto com uma galera, o Alexandre Magno, Juan Bernabó. Hoje eu não programo mais, mas faço muita coisa de forma pareada. Às vezes, preciso montar uma apresentação, porque vou fazer uma palestra. Eu chamo alguém para fazer comigo, porque o pareamento traz foco e concentração. Se você está sozinho, é mais facilmente distraível do que se estiver com alguém. Tem um site que chama Focusmate e é muito interessante.
M1: É meio paradoxal. A pessoa, para ficar concentrada, quer ficar sozinha.
M2: Pois é, e tem muita gestão antiga que acha que se tiver duas pessoas trabalhando sozinhas vão ter a produtividade duplicada, e se colocar as duas para trabalhar junto, vai diminuir pela metade. É totalmente o oposto. Você coloca duas pessoas para trabalhar junto e a produtividade vai para cima, porque o nosso trabalho hoje não é repetitivo, exige muito concentração e cognição. Ao trabalhar junto, soma os dois. Tem outra coisa do mundo corporativo. Eu trabalho em uma empresa com 14 mil pessoas, tenho equipes que me comunico no mundo todo e também tem o tema, que a gente não tratou, mas dá outro podcast, que é a infobesidade, que é a sobrecarga de informação que recebe hoje em todos os canais. Quantos e-mails a gente recebe por dia? Hoje eu tenho um conceito de filtros inteligentes no e-mail e só leio entre 10 e 20% do que chega para mim, porque chega muita coisa que nem precisaria receber, mas como a gente trabalha em um ambiente de muito broadcast, em que a informação chega até a gente e o filtro acaba ficando no consumidor da informação, a gente acaba tendo que saber filtrar isso muito bem. Não só filtrar no e-mail, mas em todos os canais que a gente tem, onde essa informação chega. Esse tema da infobesidade dá outra conversa, porque é um dos pontos que mais tenho visto na questão corporativa das empresas, a falta de foco, que dá para a gente trazer com algumas técnicas, como do Pomodoro, que uso muito, às vezes coloco no meu Google Calendar 30 minutos, que não é uma reunião com outra pessoa, mas só eu comigo mesmo para fazer alguma coisa. Eu digo que vou usar aqueles 30 minutos para fazer alguma coisa durante 30 minutos. Tem uma questão de falta de organização, não saber o que está fazendo, a famosa multitask, em que a gente tenta fazer quatro coisas ao mesmo tempo e acaba não fazendo nenhuma direito. Tudo isso tem uma conexão com o trabalho produtivo ou não produtivo e, agora, que a gente está de home office, acho que a coisa fica mais crítica. Em casa, a gente acaba sendo mais facilmente distraível com outras coisas e esse foco e concentração ficam mais difíceis.
M1: Eu acho que isso é subestimado pelas pessoas e talvez por essa falta de consciência. Eu tenho uma empresa, a DTI, e já tentei várias vezes trazer isso à tona, e é engraçado. Eu tenho 47 anos e lembro de ter lido na década de 90 um livro, o peopleware, que foi famoso na época. O cara já falava do telefone, tocando e te interrompendo, não permitindo entrar em flow. Isso é absolutamente subestimado hoje, o cara que entra em flow tem um nível de produtividade tão mais alto. O cara trabalha com dez janelas abertas, responde mensagens, o Teams aberto, WhatsApp, Instagram. Como vai concentrar?
M2: Hoje em dia está em um nível, que você está em reunião com três pessoas e é até desrespeito, falta de dar a atenção ao que realmente importa. Imagina que estou gravando esse podcast com você, você me faz uma pergunta e eu falo: o que foi mesmo que você me perguntou? Não estava prestando atenção, estava vendo outra coisa. Isso é inadmissível, se eu te respeito e agendei esse tempo para a gente gravar esse podcast, é minha responsabilidade estar 100% presente com você, porque é isso que está acontecendo agora comigo e com você. A gente está presente, em flow. Quando estou gravando, fico mega em flow, e é muito legal estar presente. Até para citar uma outra referência, que o pessoal adora, tem um livro que gosto muito que mudou minha vida, chamado o poder do agora, não sei se você conhece, do Eckhart Tolle.
M1: É muito maluca a história do cara.
M2: Muito. E não só o livro. Eu escutei o livro e fiz um retiro espiritual com ele, com o Eckhart Tolle, de três dias. A gente ficou imerso em um galpão, no meio do nada, sexta, sábado e domingo e isso mudou muito minha forma de enxergar essa questão de estar presente. É isso que você está falando, se você está fazendo alguma e coisa e está presente, se você se colocou naquela iniciativa, de fazer uma planilha, 25 minutos, você entra em flow e acaba. Mas se ficar fazendo oito coisas ao mesmo tempo não dá. Nesse momento, a única coisa que estou fazendo é falar com você, não estou fazendo mais nada, removi todas as distrações à minha volta, meu celular está no silencioso, se alguém ligar, não toca, porque estou aqui, concentrado, focado na gravação desse podcast, e espero que vocês que estão ouvindo também estejam.
M1: Sensacional, Fábio. Adorei a conversa, acho interessante que as questões humanas são sempre as mesmas. Você pega desde os históricos e fica no presente. É impressionante como nosso cérebro divaga e não deixa a gente viver plenamente. Certamente teremos outro episódio, foi um prazer essa conversa. Como eu disse no começo, a gente teve um episódio uma vez com o Humberto Mariotti, muito erudito e ainda estuda complexidade. É psicólogo, super legal, filósofo, e fala muito sobre a natureza humana. A gente tem que entender a natureza humana e falou hoje sobre isso. Muito obrigado, Fábio. Um grande abraço.
M2: Eu que agradeço. Quando a gente está em flow, a duração do tempo é diferente. Tem um documentário que fala quanto tempo o tempo dura. E passou muito rápido aqui, porque foi tão boa a conversa. Eu te agradeço, foi uma hora boa, feliz, de flow. Estou me sentindo muito bem. Obrigadão
M1: Bom dia, boa tarde, boa noite, vamos começar mais um episódio dos agilistas. Hoje nós estamos com um convidado que espero ter várias vezes, pode falar de vários temas diferentes, é o Fábio Pereira que vai se apresentar daqui a pouquinho. Hoje, especificamente, vamos falar de um tema muito interessante, que é sobre consciência digital. Antes de entrar no tema, Fábio, conta sua história um pouquinho, se apresenta. Você tem um background bem amplo, acho isso super interessante, por isso falei que possivelmente vai render muitos temas diferentes. Se apresente, por favor.
M2: Primeiro, obrigado pelo convite, e tomara que seja uma série de alguns episódios relacionados a alguns temas que sou apaixonado. Um deles, com certeza, é a consciência digital, que a gente vai falar bastante. Contando um pouco da minha história, eu sou um apaixonado por tecnologia e pessoas. Fiz ciências da computação e acabei descobrindo é que o que eu era realmente apaixonado é pelo comportamento humano. Entrei um pouco para gestão e acabei virando executivo de inovação de uma multinacional, que é a Red Hat, só que minha história tem uns capítulos que posso contar. Eu venho de uma cidade do interior da Paraíba, com muito orgulho, chama Pombal, e acabei me formando em computação, vim para São Paulo e, em 2008, peguei tudo que tinha, coloquei em três malas e fui morar na Austrália. Fiquei oito anos lá, peguei cidadania, hoje sou cidadão australiano, e voltei para o Brasil com um sonho de trazer muita coisa que aprendi e apliquei na minha vida, para o ecossistema do Brasil. Cheguei com um livro, o consciência digital, que é o que a gente vai falar um pouco mais aqui. Eu tenho o sonho de ser bilionário, mas não de dinheiro, eu quero expandir a consciência digital de um bilhão de pessoas.
M1: Uma coisa que gostei muito é que você falou de ser apaixonado por tecnologia e por gente. Muitas vezes, as pessoas acham que isso é mutuamente exclusivo. A fama de quem gosta de tecnologia é que não gosta de gente. Eu sempre comento no podcast que as empresas que querem ficar ágeis e criar estruturas mais orgânicas, essencialmente, tem que entender o comportamento humano, por estar lidando com gente, não recursos. Eu acho interessantíssimo isso que você disse.
M2: Com certeza. Faz uns nove anos que não desenvolvo mais, mas quando era, acabei descobrindo que o mais difícil dos projetos que participava não era tecnologia, era a tomada de decisão, influência, essa irracionalidade do ser humano. Eu comecei a estudar os grandes autores, como Daniel Kahneman, Daniel Rieley, Richard Taylor, que escreveu o livro Nudge, alguns desses ganharam prêmio Nobel de ter inventado coisas, e eu me apaixonei por isso, decidi que queria ser especialista no comportamento humano, e iria aplicar isso no trabalho como tecnologista, agilista, e dar para aplicar muita coisa, tem muita correlação. Eu acabei até escrevendo o capítulo de um livro, chamado a psicologia cognitiva explicando o ágil. Eu trabalhei dez anos na ThoughtWorks, que é uma das empresas pioneiras de agilidade no mundo, trabalhei com Martin Fowler, Paulo Caroli, que é um dos grandes agilistas do Brasil, e fui conectando a psicologia, essa parte da ciência do comportamento humano, com tecnologia, agilidade, inovação e surgiu esse negócio chamado consciência digital.
M1: O Caroli já gravou dois episódios excelentes com a gente. Você disse que tem o sonho de fazer um bilhão de pessoas terem consciência digital. O que é isso?
M2: Primeiro vou falar o que não é. É a gente ser influenciado, manipulado e tomar essas decisões que a gente toma hoje sem saber. A ciência mostra que a gente toma, em média, 35 mil decisões por dia. É muita decisão. Só que 90% dessas decisões são tomadas de forma inconsciente. Para falar da consciência, preciso falar da inconsciência primeiro. A gente é influenciado o tempo todo a tomar decisão. Às vezes a gente abre o nosso celular, fica no Instagram meia hora e nem sente, liga o Netflix, fica assistindo série por quatro horas e nem sente. A gente faz essas coisas sendo levado, como se fosse uma corrente do mundo. Eu quero ter o controle das minhas decisões, então o primeiro nível de consciência digital é eu saber que não tenho controle sobre todas as minhas decisões e assumir para mim mesmo que sou manipulável, influenciável. Lembro de um momento que assisti uma palestra do Daniel Rieley, em que mostrava como é fácil influenciar uma decisão do ser humano. Eu pensava que não sou desse jeito, só os outros cairiam. E não, todo mundo é irracional. O livro do Daniel chama previsivelmente racional, pela razão de todo mundo ser irracional. A consciência digital é um nível que o ser humano pode chegar onde a gente consegue entender nossa relação com o mundo digital, que são todas as telas, a inteligência artificial, os celulares, os formatos de streaming, como Netflix, Amazon Prime, GloboPlay, o próprio YouTube, é basicamente qualquer forma que a gente interage com o digital, seja através de uma tela, comando de voz, qualquer interface, mas a gente ter consciência de que as decisões que tomo são influenciadas. O exemplo mais simples que dou é o do GPS, se eu sair de casa, quiser ir para algum lugar, coloco o GPS, que vai me guiando. É uma decisão que estou delegando para o GPS e faço isso de forma consciente. O que acontece é que a gente usa vários GPS na vida sem saber que está usando e a gente acaba ficando sem tempo para fazer o que realmente quer, acaba consumindo muita informação, tem uma dimensão da consciência digital que é saber consumir o que realmente precisa na internet, porque é muita informação hoje. Eu defini os cinco Cs da consciência digital, que são as cinco habilidades das pessoas que tem essa consciência.
M1: O primeiro passo é a gente reconhecer que tem vieses, inerentes à natureza humana. Isso que você falou é super curioso, a gente vê aqueles exemplos de ancoragem, em que o cara vê um número alto e estima mais alto. Você fala que não é possível que também é assim, tão manipulável. Antes de entrar nos cinco Cs, você poder dar exemplos desses vieses? Acho interessante para ilustrar isso que você falou. Eu acredito em modelo mental, se você começa a perceber que é assim, aceita a tomar certas atitudes que vão te ajudar a não ser manipulado, mas se acha que é imanipulável, tem uma consciência perfeita, não é sujeito a vieses, vai achar que é bobagem e não precisa disso. Quais seriam os exemplos de vieses que chocariam os ouvintes?
M2: Eu amo uma lista de vieses, se você quiser, depois mando link para colocar e compartilhar com a audiência. Existem mais de 180 vieses já mapeados no mundo, e desses, tem um que gosto muito, que é o viés da escassez. Ele é usado da seguinte forma: você tem um produto, serviço, alguma coisa que existe em abundância, mas cria uma escassez artificial. Por exemplo, recentemente surgiu o Clubhouse, que é a nova plataforma de áudio. O pessoal do Clubhouse gerou escassez. Todo mundo que entrava recebia convites e só podia entrar se fosse convidado. No nosso cérebro, a gente quer um convite. O pessoal estava vendendo convite do Clubhouse porque tinha escassez, se não tivesse, qualquer pessoa podendo entrar, eu aposto que o desejo seria menor, porque é isso que a ciência mostra. A ciência mostra que quando você gera escassez, gera um desejo maior naquela pessoa de ter aquilo. Tem um site que faz isso muito bem, que é o…
M1: Às vezes é algo que o cara nem quer.
M2: É, você não quer, mas fala que tem um. Um site que faz isso muito bem feito é o Booking.com. Eu até conto a história no meu livro. Você entra no booking e procura um hotel. Estou indo viajar e a primeira coisa que aparece é que existem 38 pessoas vendo esse mesmo quarto que você está vendo. Esse já é outro viés. Tem a escassez, que diz que só tem um quarto disponível. Em 18 pessoas estão vendo este mesmo quarto, já tem o conceito de prova social, ou seja, se tem 18 pessoas vendo, o negócio deve ser bom. Todos esses vieses vão influenciando nossa decisão. Eu clico no botão de agendar porque fiquei com medo de perder. Geralmente esses vieses tocam a gente no medo de perder alguma coisa, que é um termo chamado loss aversion, aversão à perda, que é outro viés. Ou seja, todos esses vieses vão atuando na gente e a gente acaba tomando decisões muito irracionais e inconscientes.
M1: A gente, hoje, vive em uma economia onde nossa tensão é o produto, e se a gente foca a tensão para o lugar errado, não vive, fica vivendo a vida que alguma marca está planejando para a gente. Posto isso, de as pessoas ficarem conscientizadas que estão sujeitas aos vieses, como evitar isso, quais são esses cinco Cs? A consciência digital é entender que isso existe e navegar na vida de tal forma que eu seja talvez até manipulado, mas na medida saudável, que me permita fazer as coisas que quero.
M2: É exatamente. Até gostei do jeito que você descreveu. Se eu for manipulado, é porque estou deixando. Tipo o GPS, me manipula, me leva para onde você quer me levar que eu deixo você fazer isso. Essa é exatamente a consciência, você tomar as decisões sabendo que está tomando por aquela razão. O primeiro C é exatamente do controle. Você ter o controle das suas decisões. O controle remoto está na sua mão, não na de outra pessoa ou no seu celular. Eu sempre faço uma pergunta, quem controla o seu celular é você ou é o seu celular que controla você? Você controla ou é controlado? Muitas vezes a gente deixa o equipamento digital controlar a gente. Por exemplo, quando vou ver uma série. O Netflix implementou uma funcionalidade muito interessante que chama autoplay. Você está vendo o episódio três, quando termina, ele já passa para o episódio quatro sem você fazer nada. Essa decisão de assistir outro episódio não foi minha, eu não fiz nada e o Netflix tomou a decisão por mim.
M1: A decisão tem que ser de não assistir.
M2: Exatamente, eu tenho que tomar a decisão de não assistir. Se eu não fizer nada, que é o viés do status quo, da inércia, aquilo vai acontecer. Não fazer nada faz com que eu assista. A decisão do nada é assistir. É você ter esse controle e saber que o controle está na sua mão. Tem um outro C que, durante minhas pesquisas, percebi que as pessoas reclamam da falta de equilíbrio que ficam conectadas e desconectadas. Eu defini uma habilidade como o equilíbrio conectado desconectado, que é basicamente você saber o nível de tempo que você quer ficar conectado e desconectado. A gente acaba se conectando com algumas pessoas usando o digital, porque ele ajuda a aproximar quem está longe, mas acaba afastando quem está perto. Às vezes tem uma pessoa do seu lado e você está desconectado dessa pessoa porque está conectado em outros lugares mais virtuais. Então tem esse equilíbrio do conectado desconectado. E tem um que é exatamente os vieses inconscientes, tem mais de 180 e acredito que quanto mais a gente estudá-los, mais a gente vai tomar essas decisões sabendo que está tomando e sabendo do viés. Eu estou sendo influenciado, existe o viés da escassez, mas vou tomar a decisão mesmo assim. E tem um que é a habilidade de identificação do pensamento crítico. Esse tem muito a ver com fake news, compartilhar tudo o que recebe. Quem nunca, em grupo de família, viu alguém compartilhando fake news? Eu sou o caça fake news. O meu pensamento crítico é tão aguçado que fico caçando fake news, já procuro, tem vários sites que ajudam a ver o que é ou não verdade, mas a definição de verdade, hoje, na internet, está difícil. A gente precisa, basicamente, questionar tudo, sempre, e validar antes de repassar para outra pessoa, porque se não, vai estar sendo responsável por passar uma coisa para frente. E o último C é o da concentração e foco. A gente vive em um mundo onde tem muita distração, vive sendo distraído. Tem um livro que fiz a tradução técnica, que está na minha mão, chama indistraível. Como dominar sua atenção e assumir o controle da sua vida? Ele é do mesmo autor de um livro muito famoso que é o hooked. Esses dois livros são de Nir Eyal e fala que para a gente ter foco, concentração e fazer o que precisa fazer na vida, a gente precisa ser indistraível, que nada mais é que ter concentração e foco para fazer o que a gente quer fazer da vida. O que acontece hoje é que entra no celular para ver algo, depois vê outra, e vê outra, daqui a pouco está vendo vídeo de gatos no YouTube, sem nem saber como chegou lá, porque a gente não teve foco e concentração.
M1: Muito interessante. Queria te fazer uma provocação. Primeiro, achei super legal que, no fundo, é: não seja um pato, aquele cara que fica no mundo, que está passando, e é manipulado com fake news, para comprar coisas, alguém tira sua atenção do que talvez quisesse estar fazendo mesmo, te tira de perto da família, amigos, e passou o tempo. Quando você faz uma reflexão e olha para trás, se pergunta o que fez com seu precioso tempo. É quase uma pergunta sobre alocação de tempo. A questão é: a resposta para isso é ficar sistemático? Eu falo isso porque sou zero sistemático, tenho dificuldade. Estar ligado a ser mais sistemático, extremamente disciplinado, ou não necessariamente?
M2: Depende da sua definição de sistemático e disciplinado. Acho que tem a ver com disciplina, mas não aquela disciplina chata. A autodisciplina, onde eu tenho poder do que vou fazer e liberdade total, não que vem de outro lugar, que alguém me diz o que tenho que fazer. É minha mesmo, com muito nível de autonomia e liberdade de mim comigo mesmo. Se eu quiser definir que vou ficar uma hora navegando sem fazer nada na minha timeline, eu fico, e isso também é disciplina, de também tirar o seu tempo para ficar sem fazer nada. A gente, hoje em dia, acha que tem que estar ocupado o tempo todo. É retomar um pouco o conceito do ócio criativo, que a gente sabe que existe, mas também é um ócio consciente, de não fazer nada para dar uma recarregada no cérebro. A gente fica o tempo todo se carregando de coisas, consumindo informação. Acho que tem a ver com disciplina, sim, mas uma disciplina com liberdade, autonomia e autocontrole. Com certeza, tem, se não a gente vai sendo levado pelo mundo ao invés de levar a nossa vida para onde quer que ela vá.
M1: Imagina que está ouvindo, como começa essa trajetória? É a pergunta de todo mundo, a gente fala muito, até no âmbito do agilismo mesmo, que o ser humano adora ter o pensamento mágico, fica achando que vai comprar uma pílula e ficar disciplinado, ágil. Na verdade, é uma trajetória dolorida que depende muito da pessoa querer fazer. Dificilmente vai ter uma prescrição, mas como uma pessoa começa? Ela ficou sensibilizada. Aproveito até para perguntar se você usa aquelas ferramentas do Nudge. Eu vi que você estuda esse assunto. Você usa esses pequenos estímulos, o ambiente ajuda também, como é essa trajetória?
M2: Eu adoro essa pergunta, de por onde começar. Eu recebo bastante essa pergunta e gosto de usar uma analogia, que adoro. Como as analogias e metáforas ajudam a gente a entender o mundo que vive. A que uso é a seguinte, imagina que você quer melhorar sua qualidade de vida, sua saúde, forma de se alimentar. O que faz? Pode ir no nutricionista, subir em uma balança e ver o peso, fazer exame de sangue e ver como estão nossas taxas, fazer um raio X de si mesmo e se observar. Existem ferramentas que fazem isso no mundo digital também. O próprio Google lançou o conceito de bem estar digital, ou em inglês, o digital well being, é um conceito criado para mostrar para a pessoa caminhos, como se fossem nossas próprias balanças. Existem aplicativos tanto nas plataformas de iPhone quanto nas do Google, Android e IOS, que mostram para a gente métricas de quanto tempo uso o aplicativo, quais são os que mais uso. É como se fosse a balança, que estou subindo e fazendo meus exames para me autoconhecer. O primeiro passo é o autoconhecimento. Eu não posso melhorar nada em mim se não conhecer aquela coisa dentro de mim e souber onde preciso melhorar. Se eu passar me auto observar e começar a fazer anotações de quanto tempo fico fazendo isso ou aquilo, quanto tempo uso telas, assistindo séries no Netflix, você vai ter uma visão da sua vida, do que chamo de nosso peso digital. Por isso que é subir na balança. Será que estou acima do peso? Não sei, vai depender do que quero para minha vida. Isso é um processo muito individual, independente de cada um, não é prescritivo, não existe receita para passar. É um processo individualizado, por isso é processo de mentoria, um a um, funciona muito bem, assim com nutricionista. Eu vou ao nutricionista com muita frequência, uma vez a cada três meses, que me guia pela minha vida. É um processo um a um de autoconhecimento e ela me pergunta o que quero para os próximos meses, se é aumentar massa muscular, por comer mais carboidrato, treinar mais. É um processo nesse sentido, uso essa analogia do nutricionista porque é individual, de cada um, mas existem ferramentas que podem nos ajudar a ser mais conscientes.
M1: Entendi. E os cinco Cs são pilares, onde, uma vez feito um diagnóstico de onde estou, a pessoa fica observando e fala que está totalmente sem controle ou que está completamente desbalanceado, e começa a atacar um pilar desses, é esse o caminho?
M2: Seria exatamente isso. É bom conversar, que a pessoa já entende, você já entendeu. Tem uma ferramenta que chama roda da vida, do mundo do coaching, tem gente que gosta e que não gosta. Essa ferramenta é interessante porque mostra que, na nossa vida, temos dimensões. Você imagina que tem a dimensão da vida financeira. A sua vida financeira e sua saúde são duas dimensões totalmente diferentes. Você pode estar muito bem financeiramente e mal de saúde ou muito bem de saúde e mal financeiramente. Essa ferramenta me inspirou criar a ferramenta de análise das habilidades, porque se estou precisando trabalhar minha vida financeira, vou trabalhar a financeira, se precisar trabalhar meu equilíbrio conectado desconectado, é essa habilidade que vou focar. É como se fosse o teste inicial de subir na balança para a gente ver qual dessas dimensões precisam ser trabalhadas e onde dói. Será que está doendo porque tenho um projeto de vida que não consigo avançar? É a questão de encontrar a dor da pessoa e onde a consciência digital pode ajudar nisso.
M1: Isso traz até questões existenciais à tona. Tem gente que, talvez, prefira ficar distraída, do que ter que assumir essa responsabilidade toda, por onde quer chegar. É uma reflexão. O cara está maratonando séries e o dia inteiro curtindo coisas, que me parecem um grande desperdício. É curioso. Existe também esse tipo de reflexão filosófica? Cada um decide o que quer da própria vida, quem vai julgar a vida de quem?
M2: Quem vai não sou eu, não sou ninguém para julgar a vida da outra pessoa. É por isso que o caminho é da pessoa. Se converso com alguém e a pessoa acha que não tem nada que precisa mudar e melhorar, beleza. Vida que segue. Mas a pessoa chega e fala que está sentindo que precisava terminar um projeto, mas não consegue porque ficar procrastinando. Procrastinação é outro conceito muito grande dos vieses do ser humano. A gente fica deixando tudo para depois, tem a lei de Parkinson, que diz que o tempo que você tem para fazer uma tarefa. Se tiver um dia, leva um dia, se tiver um mês, leva um mês, e a gente expande aquele tempo.
M1: É igual o gás, não é?
M2: É igual o gás, exatamente. Ele assume o espaço dado. Uma coisa que gosto de conectar muito com agilidade é o conceito dos prazos. O que é o conceito de um modelo interativo que o Scrum trouxe de, por exemplo, criar o conceito de sprints pequenas. Isso nada mais é que você trazer prazos menores, porque o ser humano procrastina. Se eu for procrastinar no projeto de um ano, só tem um prazo, que é um ano. Projeto cascatão. Se eu tiver um sprint semanal, eu tenho pequenos prazos de uma semana para procrastinar a cada semana.
M1: Está comprimindo o gás, ao invés de expandir. Está usando a lei de Parkinson a seu favor.
M2: Respondendo mesmo à pergunta, acho que a liberdade e autonomia estão em cada um. Acredito muito que cada ser humano tem que ter essa liberdade, mas o que acontece é que, às vezes, a gente nem sabe. Se não fosse isso, aquele documentário do dilema das redes não teria feito tanto sucesso. Recebi tanta mensagem relacionada àquele documentário, o pessoal dizendo que não sabia que era assim. Não é que a pessoa sabe e quer ficar dentro daquilo sabendo, na maioria das vezes não é desse jeito. Na maioria das vezes, a pessoa não sabe que está sendo usada, manipulada e influenciada. Uma vez que você soube e decidiu ficar lá, ótimo.
M1: Esse documentário é interessante. Quando pega os personagens dizendo que o cara sumiu e tem que fazer ele voltar, tem gente que fala que é exagerado, mas não é. É exatamente isso, você fica lutando, sua tensão. Esse tema realmente é muito relevante e engraçado que a gente não foge do conhece a ti mesmo, do Sócrates. Primeiro, você tem que se conhecer, para depois saber o que faz. Eu não sei se você tem conhecimento específico sobre isso, mas é uma pergunta que não posso deixar de fazer, porque tenho filhos e vejo desde novos. Você está falando uma coisa que, para mim, é como se fosse algo a ser ensinado na escola a ter consciência digital. Eu falo para os meus meninos que somos susceptíveis a dopamina, mas como explica isso para criança. A gente fica ganhando recompensas o tempo todo e, de tudo que a gente falou aqui, quando entende essa natureza de processo de vício, o (inint) fala que você não vai dar álcool a seus filhos, mas deixa seus filhos ficarem ali. É a pressão social, todos os outros estão fazendo, com eletrônicos, com a pandemia, isso agrava mais, você fica lutando para combater. Parece que essa consciência digital deveria começar novinho. Como você enxerga isso?
M2: É legal você ter citado essa fala do Simon. Eu lembro mesmo dessa vez que ele fala da dopamina, eu até cito no capítulo do livro. Acredito que a gente não conhece todos os efeitos negativos. Você deve lembrar, pouco mais de 20 anos atrás, quando o cigarro era visto como uma coisa super legal, ninguém sabia dos efeitos do cigarro relacionado ao câncer de pulmão e todas as doenças respiratórias que pode causar. A gente vive em um mundo onde o digital está nesse nível, a gente ainda não conhece os efeitos e parece bonito você entregar um celular na mão do seu filho e deixar ele quatro horas com aquele celular. Parece legal você terceirizar o serviço de cuidar da criança. O Steve Jobs, muito sábio, não deixava os filhos dele usarem os equipamentos, o iPhone. Ele devia imaginar que aquele negócio era tão viciante que já não deixava. Tem algumas pesquisas saindo sobre a falta de interação com pessoas, a criança brincar na rua com os outros, se sujar, quando eu era criança, brincava de bolinha de gude, peão na rua e, agora a criança fica no celular. O conceito de realidade para aquela criança está sendo totalmente transformado, a gente não sabe ainda quais são todos os efeitos. De novo, trazendo uma palavra que guia muito a minha vida, é o equilíbrio. Não acho que o celular é tão prejudicial como, exemplo, o cigarro, que você deve realmente tirar a pessoa, mas usar com um pouco de equilíbrio. Tem uma psicóloga com quem eu fiz uma live, a Bianca, e é muito mais experiente que eu nessa questão de psicologia infantil, que me deu uma dica interessante. Ela disse que existem aplicativos que deixam a criança passiva. Por exemplo, a criança, ao assistir um vídeo do YouTube, está passivamente assistindo, e existem aplicativos que fazem a criança ser ativa, ou seja, fazer um desenho, algum joguinho que, de alguma forma, usa a cognição. Existe uma recomendação que se use um desses mais ativos do que o passivo, para que a criança tenha a ação de fazer alguma coisa e não ficar só passivamente consumindo. Gosto sempre de falar isso.
M1: Super interessante, o nosso cérebro é super elástico, vai formando conexões baseado no que acontece fora. Gosto muito da imagem do cérebro dentro de uma caixa preta fechada, onde chegam os estímulos. Na medida em que você não tem contato com uma realidade física, só contato com realidade virtual, é claro que aquele ser está mapeando o mundo diferente. Se ainda, além de ter contato só com uma realidade virtual, só passivo. Quando pensa sobre isso, é muito assustador. É claro que você está produzindo um tipo de pessoa diferente, não é um detalhe como a gente podia pensar. E quando você falou do cigarro, é interessante. Eu estou vendo a série Mad Men, na década de 60. Fumar parecia quase obrigação. É engraçado, o médico atende a consulta fumando, os caras fumam no escritório, almoça e janta fumando. Essa analogia é interessante, é um ato pervasivo. Hoje mesmo o celular está em todo lugar, o tempo todo, você está com um amigo e está com celular, está na cozinha com o celular, conversando com alguém e olhando mensagem.
M2: Tem muito experimento que a ciência mostra que o ser humano faz o que os outros estão fazendo. O fator do bandwagon effect, que é de vai junto com quem está indo. O experimento do pessoal que entra no elevador e todo mundo virado de costas para o elevador. Todos são atores e entra uma pessoa. Ela pensa um pouquinho e faz a mesma coisa. Se você pergunta para a pessoa o porquê de ela estar fazendo isso, ela geralmente responde: não sei, eu fiz porque todo mundo a minha volta estava fazendo. A gente faz muita coisa porque está todo mundo a nossa volta fazendo, o ser humano é muito de ir com manada. Está todo mundo indo, eu vou também, não sei nem porquê.
M1: Essa é uma visão do ser humano, nós somos manipuláveis, cheios de vieses e ainda vamos com a manada. Cada pessoa se sente tão autônoma e independente. Parece o filme daquele comediante.
M2: Do Truman?
M1: Do Truman, que fala que está vivendo de um jeito. Quando você olha, vê que faz as coisas porque os outros fazem, sou manipulado o tempo todo. É como se caísse na real, de repente. Nós estamos chegando ao final. Queria emendar como a gente transporta isso para o ambiente de trabalho, porque essa consciência digital é importante. Quando fala em foco, produtividade, não procrastinar, tem uma aplicabilidade direta, não tem?
M2: Tanto tem uma aplicabilidade no trabalho quanto tem uma correlação muito grande com as coisas que a gente traz na agilidade. Por exemplo, vamos falar de concentração e foco. O conceito de pareamento foi trazido pelo XP, com o que comecei a trabalhar em 2005. Não tinha nem Scrum no Brasil, a gente trouxe para cá em 2007, participei da primeira turma junto com uma galera, o Alexandre Magno, Juan Bernabó. Hoje eu não programo mais, mas faço muita coisa de forma pareada. Às vezes, preciso montar uma apresentação, porque vou fazer uma palestra. Eu chamo alguém para fazer comigo, porque o pareamento traz foco e concentração. Se você está sozinho, é mais facilmente distraível do que se estiver com alguém. Tem um site que chama Focusmate e é muito interessante.
M1: É meio paradoxal. A pessoa, para ficar concentrada, quer ficar sozinha.
M2: Pois é, e tem muita gestão antiga que acha que se tiver duas pessoas trabalhando sozinhas vão ter a produtividade duplicada, e se colocar as duas para trabalhar junto, vai diminuir pela metade. É totalmente o oposto. Você coloca duas pessoas para trabalhar junto e a produtividade vai para cima, porque o nosso trabalho hoje não é repetitivo, exige muito concentração e cognição. Ao trabalhar junto, soma os dois. Tem outra coisa do mundo corporativo. Eu trabalho em uma empresa com 14 mil pessoas, tenho equipes que me comunico no mundo todo e também tem o tema, que a gente não tratou, mas dá outro podcast, que é a infobesidade, que é a sobrecarga de informação que recebe hoje em todos os canais. Quantos e-mails a gente recebe por dia? Hoje eu tenho um conceito de filtros inteligentes no e-mail e só leio entre 10 e 20% do que chega para mim, porque chega muita coisa que nem precisaria receber, mas como a gente trabalha em um ambiente de muito broadcast, em que a informação chega até a gente e o filtro acaba ficando no consumidor da informação, a gente acaba tendo que saber filtrar isso muito bem. Não só filtrar no e-mail, mas em todos os canais que a gente tem, onde essa informação chega. Esse tema da infobesidade dá outra conversa, porque é um dos pontos que mais tenho visto na questão corporativa das empresas, a falta de foco, que dá para a gente trazer com algumas técnicas, como do Pomodoro, que uso muito, às vezes coloco no meu Google Calendar 30 minutos, que não é uma reunião com outra pessoa, mas só eu comigo mesmo para fazer alguma coisa. Eu digo que vou usar aqueles 30 minutos para fazer alguma coisa durante 30 minutos. Tem uma questão de falta de organização, não saber o que está fazendo, a famosa multitask, em que a gente tenta fazer quatro coisas ao mesmo tempo e acaba não fazendo nenhuma direito. Tudo isso tem uma conexão com o trabalho produtivo ou não produtivo e, agora, que a gente está de home office, acho que a coisa fica mais crítica. Em casa, a gente acaba sendo mais facilmente distraível com outras coisas e esse foco e concentração ficam mais difíceis.
M1: Eu acho que isso é subestimado pelas pessoas e talvez por essa falta de consciência. Eu tenho uma empresa, a DTI, e já tentei várias vezes trazer isso à tona, e é engraçado. Eu tenho 47 anos e lembro de ter lido na década de 90 um livro, o peopleware, que foi famoso na época. O cara já falava do telefone, tocando e te interrompendo, não permitindo entrar em flow. Isso é absolutamente subestimado hoje, o cara que entra em flow tem um nível de produtividade tão mais alto. O cara trabalha com dez janelas abertas, responde mensagens, o Teams aberto, WhatsApp, Instagram. Como vai concentrar?
M2: Hoje em dia está em um nível, que você está em reunião com três pessoas e é até desrespeito, falta de dar a atenção ao que realmente importa. Imagina que estou gravando esse podcast com você, você me faz uma pergunta e eu falo: o que foi mesmo que você me perguntou? Não estava prestando atenção, estava vendo outra coisa. Isso é inadmissível, se eu te respeito e agendei esse tempo para a gente gravar esse podcast, é minha responsabilidade estar 100% presente com você, porque é isso que está acontecendo agora comigo e com você. A gente está presente, em flow. Quando estou gravando, fico mega em flow, e é muito legal estar presente. Até para citar uma outra referência, que o pessoal adora, tem um livro que gosto muito que mudou minha vida, chamado o poder do agora, não sei se você conhece, do Eckhart Tolle.
M1: É muito maluca a história do cara.
M2: Muito. E não só o livro. Eu escutei o livro e fiz um retiro espiritual com ele, com o Eckhart Tolle, de três dias. A gente ficou imerso em um galpão, no meio do nada, sexta, sábado e domingo e isso mudou muito minha forma de enxergar essa questão de estar presente. É isso que você está falando, se você está fazendo alguma e coisa e está presente, se você se colocou naquela iniciativa, de fazer uma planilha, 25 minutos, você entra em flow e acaba. Mas se ficar fazendo oito coisas ao mesmo tempo não dá. Nesse momento, a única coisa que estou fazendo é falar com você, não estou fazendo mais nada, removi todas as distrações à minha volta, meu celular está no silencioso, se alguém ligar, não toca, porque estou aqui, concentrado, focado na gravação desse podcast, e espero que vocês que estão ouvindo também estejam.
M1: Sensacional, Fábio. Adorei a conversa, acho interessante que as questões humanas são sempre as mesmas. Você pega desde os históricos e fica no presente. É impressionante como nosso cérebro divaga e não deixa a gente viver plenamente. Certamente teremos outro episódio, foi um prazer essa conversa. Como eu disse no começo, a gente teve um episódio uma vez com o Humberto Mariotti, muito erudito e ainda estuda complexidade. É psicólogo, super legal, filósofo, e fala muito sobre a natureza humana. A gente tem que entender a natureza humana e falou hoje sobre isso. Muito obrigado, Fábio. Um grande abraço.
M2: Eu que agradeço. Quando a gente está em flow, a duração do tempo é diferente. Tem um documentário que fala quanto tempo o tempo dura. E passou muito rápido aqui, porque foi tão boa a conversa. Eu te agradeço, foi uma hora boa, feliz, de flow. Estou me sentindo muito bem. Obrigadão
M1: Bom dia, boa tarde, boa noite, vamos começar mais um episódio dos agilistas. Hoje nós estamos com um convidado que espero ter várias vezes, pode falar de vários temas diferentes, é o Fábio Pereira que vai se apresentar daqui a pouquinho. Hoje, especificamente, vamos falar de um tema muito interessante, que é sobre consciência digital. Antes de entrar no tema, Fábio, conta sua história um pouquinho, se apresenta. Você tem um background bem amplo, acho isso super interessante, por isso falei que possivelmente vai render muitos temas diferentes. Se apresente, por favor.
M2: Primeiro, obrigado pelo convite, e tomara que seja uma série de alguns episódios relacionados a alguns temas que sou apaixonado. Um deles, com certeza, é a consciência digital, que a gente vai falar bastante. Contando um pouco da minha história, eu sou um apaixonado por tecnologia e pessoas. Fiz ciências da computação e acabei descobrindo é que o que eu era realmente apaixonado é pelo comportamento humano. Entrei um pouco para gestão e acabei virando executivo de inovação de uma multinacional, que é a Red Hat, só que minha história tem uns capítulos que posso contar. Eu venho de uma cidade do interior da Paraíba, com muito orgulho, chama Pombal, e acabei me formando em computação, vim para São Paulo e, em 2008, peguei tudo que tinha, coloquei em três malas e fui morar na Austrália. Fiquei oito anos lá, peguei cidadania, hoje sou cidadão australiano, e voltei para o Brasil com um sonho de trazer muita coisa que aprendi e apliquei na minha vida, para o ecossistema do Brasil. Cheguei com um livro, o consciência digital, que é o que a gente vai falar um pouco mais aqui. Eu tenho o sonho de ser bilionário, mas não de dinheiro, eu quero expandir a consciência digital de um bilhão de pessoas.
M1: Uma coisa que gostei muito é que você falou de ser apaixonado por tecnologia e por gente. Muitas vezes, as pessoas acham que isso é mutuamente exclusivo. A fama de quem gosta de tecnologia é que não gosta de gente. Eu sempre comento no podcast que as empresas que querem ficar ágeis e criar estruturas mais orgânicas, essencialmente, tem que entender o comportamento humano, por estar lidando com gente, não recursos. Eu acho interessantíssimo isso que você disse.
M2: Com certeza. Faz uns nove anos que não desenvolvo mais, mas quando era, acabei descobrindo que o mais difícil dos projetos que participava não era tecnologia, era a tomada de decisão, influência, essa irracionalidade do ser humano. Eu comecei a estudar os grandes autores, como Daniel Kahneman, Daniel Rieley, Richard Taylor, que escreveu o livro Nudge, alguns desses ganharam prêmio Nobel de ter inventado coisas, e eu me apaixonei por isso, decidi que queria ser especialista no comportamento humano, e iria aplicar isso no trabalho como tecnologista, agilista, e dar para aplicar muita coisa, tem muita correlação. Eu acabei até escrevendo o capítulo de um livro, chamado a psicologia cognitiva explicando o ágil. Eu trabalhei dez anos na ThoughtWorks, que é uma das empresas pioneiras de agilidade no mundo, trabalhei com Martin Fowler, Paulo Caroli, que é um dos grandes agilistas do Brasil, e fui conectando a psicologia, essa parte da ciência do comportamento humano, com tecnologia, agilidade, inovação e surgiu esse negócio chamado consciência digital.
M1: O Caroli já gravou dois episódios excelentes com a gente. Você disse que tem o sonho de fazer um bilhão de pessoas terem consciência digital. O que é isso?
M2: Primeiro vou falar o que não é. É a gente ser influenciado, manipulado e tomar essas decisões que a gente toma hoje sem saber. A ciência mostra que a gente toma, em média, 35 mil decisões por dia. É muita decisão. Só que 90% dessas decisões são tomadas de forma inconsciente. Para falar da consciência, preciso falar da inconsciência primeiro. A gente é influenciado o tempo todo a tomar decisão. Às vezes a gente abre o nosso celular, fica no Instagram meia hora e nem sente, liga o Netflix, fica assistindo série por quatro horas e nem sente. A gente faz essas coisas sendo levado, como se fosse uma corrente do mundo. Eu quero ter o controle das minhas decisões, então o primeiro nível de consciência digital é eu saber que não tenho controle sobre todas as minhas decisões e assumir para mim mesmo que sou manipulável, influenciável. Lembro de um momento que assisti uma palestra do Daniel Rieley, em que mostrava como é fácil influenciar uma decisão do ser humano. Eu pensava que não sou desse jeito, só os outros cairiam. E não, todo mundo é irracional. O livro do Daniel chama previsivelmente racional, pela razão de todo mundo ser irracional. A consciência digital é um nível que o ser humano pode chegar onde a gente consegue entender nossa relação com o mundo digital, que são todas as telas, a inteligência artificial, os celulares, os formatos de streaming, como Netflix, Amazon Prime, GloboPlay, o próprio YouTube, é basicamente qualquer forma que a gente interage com o digital, seja através de uma tela, comando de voz, qualquer interface, mas a gente ter consciência de que as decisões que tomo são influenciadas. O exemplo mais simples que dou é o do GPS, se eu sair de casa, quiser ir para algum lugar, coloco o GPS, que vai me guiando. É uma decisão que estou delegando para o GPS e faço isso de forma consciente. O que acontece é que a gente usa vários GPS na vida sem saber que está usando e a gente acaba ficando sem tempo para fazer o que realmente quer, acaba consumindo muita informação, tem uma dimensão da consciência digital que é saber consumir o que realmente precisa na internet, porque é muita informação hoje. Eu defini os cinco Cs da consciência digital, que são as cinco habilidades das pessoas que tem essa consciência.
M1: O primeiro passo é a gente reconhecer que tem vieses, inerentes à natureza humana. Isso que você falou é super curioso, a gente vê aqueles exemplos de ancoragem, em que o cara vê um número alto e estima mais alto. Você fala que não é possível que também é assim, tão manipulável. Antes de entrar nos cinco Cs, você poder dar exemplos desses vieses? Acho interessante para ilustrar isso que você falou. Eu acredito em modelo mental, se você começa a perceber que é assim, aceita a tomar certas atitudes que vão te ajudar a não ser manipulado, mas se acha que é imanipulável, tem uma consciência perfeita, não é sujeito a vieses, vai achar que é bobagem e não precisa disso. Quais seriam os exemplos de vieses que chocariam os ouvintes?
M2: Eu amo uma lista de vieses, se você quiser, depois mando link para colocar e compartilhar com a audiência. Existem mais de 180 vieses já mapeados no mundo, e desses, tem um que gosto muito, que é o viés da escassez. Ele é usado da seguinte forma: você tem um produto, serviço, alguma coisa que existe em abundância, mas cria uma escassez artificial. Por exemplo, recentemente surgiu o Clubhouse, que é a nova plataforma de áudio. O pessoal do Clubhouse gerou escassez. Todo mundo que entrava recebia convites e só podia entrar se fosse convidado. No nosso cérebro, a gente quer um convite. O pessoal estava vendendo convite do Clubhouse porque tinha escassez, se não tivesse, qualquer pessoa podendo entrar, eu aposto que o desejo seria menor, porque é isso que a ciência mostra. A ciência mostra que quando você gera escassez, gera um desejo maior naquela pessoa de ter aquilo. Tem um site que faz isso muito bem, que é o…
M1: Às vezes é algo que o cara nem quer.
M2: É, você não quer, mas fala que tem um. Um site que faz isso muito bem feito é o Booking.com. Eu até conto a história no meu livro. Você entra no booking e procura um hotel. Estou indo viajar e a primeira coisa que aparece é que existem 38 pessoas vendo esse mesmo quarto que você está vendo. Esse já é outro viés. Tem a escassez, que diz que só tem um quarto disponível. Em 18 pessoas estão vendo este mesmo quarto, já tem o conceito de prova social, ou seja, se tem 18 pessoas vendo, o negócio deve ser bom. Todos esses vieses vão influenciando nossa decisão. Eu clico no botão de agendar porque fiquei com medo de perder. Geralmente esses vieses tocam a gente no medo de perder alguma coisa, que é um termo chamado loss aversion, aversão à perda, que é outro viés. Ou seja, todos esses vieses vão atuando na gente e a gente acaba tomando decisões muito irracionais e inconscientes.
M1: A gente, hoje, vive em uma economia onde nossa tensão é o produto, e se a gente foca a tensão para o lugar errado, não vive, fica vivendo a vida que alguma marca está planejando para a gente. Posto isso, de as pessoas ficarem conscientizadas que estão sujeitas aos vieses, como evitar isso, quais são esses cinco Cs? A consciência digital é entender que isso existe e navegar na vida de tal forma que eu seja talvez até manipulado, mas na medida saudável, que me permita fazer as coisas que quero.
M2: É exatamente. Até gostei do jeito que você descreveu. Se eu for manipulado, é porque estou deixando. Tipo o GPS, me manipula, me leva para onde você quer me levar que eu deixo você fazer isso. Essa é exatamente a consciência, você tomar as decisões sabendo que está tomando por aquela razão. O primeiro C é exatamente do controle. Você ter o controle das suas decisões. O controle remoto está na sua mão, não na de outra pessoa ou no seu celular. Eu sempre faço uma pergunta, quem controla o seu celular é você ou é o seu celular que controla você? Você controla ou é controlado? Muitas vezes a gente deixa o equipamento digital controlar a gente. Por exemplo, quando vou ver uma série. O Netflix implementou uma funcionalidade muito interessante que chama autoplay. Você está vendo o episódio três, quando termina, ele já passa para o episódio quatro sem você fazer nada. Essa decisão de assistir outro episódio não foi minha, eu não fiz nada e o Netflix tomou a decisão por mim.
M1: A decisão tem que ser de não assistir.
M2: Exatamente, eu tenho que tomar a decisão de não assistir. Se eu não fizer nada, que é o viés do status quo, da inércia, aquilo vai acontecer. Não fazer nada faz com que eu assista. A decisão do nada é assistir. É você ter esse controle e saber que o controle está na sua mão. Tem um outro C que, durante minhas pesquisas, percebi que as pessoas reclamam da falta de equilíbrio que ficam conectadas e desconectadas. Eu defini uma habilidade como o equilíbrio conectado desconectado, que é basicamente você saber o nível de tempo que você quer ficar conectado e desconectado. A gente acaba se conectando com algumas pessoas usando o digital, porque ele ajuda a aproximar quem está longe, mas acaba afastando quem está perto. Às vezes tem uma pessoa do seu lado e você está desconectado dessa pessoa porque está conectado em outros lugares mais virtuais. Então tem esse equilíbrio do conectado desconectado. E tem um que é exatamente os vieses inconscientes, tem mais de 180 e acredito que quanto mais a gente estudá-los, mais a gente vai tomar essas decisões sabendo que está tomando e sabendo do viés. Eu estou sendo influenciado, existe o viés da escassez, mas vou tomar a decisão mesmo assim. E tem um que é a habilidade de identificação do pensamento crítico. Esse tem muito a ver com fake news, compartilhar tudo o que recebe. Quem nunca, em grupo de família, viu alguém compartilhando fake news? Eu sou o caça fake news. O meu pensamento crítico é tão aguçado que fico caçando fake news, já procuro, tem vários sites que ajudam a ver o que é ou não verdade, mas a definição de verdade, hoje, na internet, está difícil. A gente precisa, basicamente, questionar tudo, sempre, e validar antes de repassar para outra pessoa, porque se não, vai estar sendo responsável por passar uma coisa para frente. E o último C é o da concentração e foco. A gente vive em um mundo onde tem muita distração, vive sendo distraído. Tem um livro que fiz a tradução técnica, que está na minha mão, chama indistraível. Como dominar sua atenção e assumir o controle da sua vida? Ele é do mesmo autor de um livro muito famoso que é o hooked. Esses dois livros são de Nir Eyal e fala que para a gente ter foco, concentração e fazer o que precisa fazer na vida, a gente precisa ser indistraível, que nada mais é que ter concentração e foco para fazer o que a gente quer fazer da vida. O que acontece hoje é que entra no celular para ver algo, depois vê outra, e vê outra, daqui a pouco está vendo vídeo de gatos no YouTube, sem nem saber como chegou lá, porque a gente não teve foco e concentração.
M1: Muito interessante. Queria te fazer uma provocação. Primeiro, achei super legal que, no fundo, é: não seja um pato, aquele cara que fica no mundo, que está passando, e é manipulado com fake news, para comprar coisas, alguém tira sua atenção do que talvez quisesse estar fazendo mesmo, te tira de perto da família, amigos, e passou o tempo. Quando você faz uma reflexão e olha para trás, se pergunta o que fez com seu precioso tempo. É quase uma pergunta sobre alocação de tempo. A questão é: a resposta para isso é ficar sistemático? Eu falo isso porque sou zero sistemático, tenho dificuldade. Estar ligado a ser mais sistemático, extremamente disciplinado, ou não necessariamente?
M2: Depende da sua definição de sistemático e disciplinado. Acho que tem a ver com disciplina, mas não aquela disciplina chata. A autodisciplina, onde eu tenho poder do que vou fazer e liberdade total, não que vem de outro lugar, que alguém me diz o que tenho que fazer. É minha mesmo, com muito nível de autonomia e liberdade de mim comigo mesmo. Se eu quiser definir que vou ficar uma hora navegando sem fazer nada na minha timeline, eu fico, e isso também é disciplina, de também tirar o seu tempo para ficar sem fazer nada. A gente, hoje em dia, acha que tem que estar ocupado o tempo todo. É retomar um pouco o conceito do ócio criativo, que a gente sabe que existe, mas também é um ócio consciente, de não fazer nada para dar uma recarregada no cérebro. A gente fica o tempo todo se carregando de coisas, consumindo informação. Acho que tem a ver com disciplina, sim, mas uma disciplina com liberdade, autonomia e autocontrole. Com certeza, tem, se não a gente vai sendo levado pelo mundo ao invés de levar a nossa vida para onde quer que ela vá.
M1: Imagina que está ouvindo, como começa essa trajetória? É a pergunta de todo mundo, a gente fala muito, até no âmbito do agilismo mesmo, que o ser humano adora ter o pensamento mágico, fica achando que vai comprar uma pílula e ficar disciplinado, ágil. Na verdade, é uma trajetória dolorida que depende muito da pessoa querer fazer. Dificilmente vai ter uma prescrição, mas como uma pessoa começa? Ela ficou sensibilizada. Aproveito até para perguntar se você usa aquelas ferramentas do Nudge. Eu vi que você estuda esse assunto. Você usa esses pequenos estímulos, o ambiente ajuda também, como é essa trajetória?
M2: Eu adoro essa pergunta, de por onde começar. Eu recebo bastante essa pergunta e gosto de usar uma analogia, que adoro. Como as analogias e metáforas ajudam a gente a entender o mundo que vive. A que uso é a seguinte, imagina que você quer melhorar sua qualidade de vida, sua saúde, forma de se alimentar. O que faz? Pode ir no nutricionista, subir em uma balança e ver o peso, fazer exame de sangue e ver como estão nossas taxas, fazer um raio X de si mesmo e se observar. Existem ferramentas que fazem isso no mundo digital também. O próprio Google lançou o conceito de bem estar digital, ou em inglês, o digital well being, é um conceito criado para mostrar para a pessoa caminhos, como se fossem nossas próprias balanças. Existem aplicativos tanto nas plataformas de iPhone quanto nas do Google, Android e IOS, que mostram para a gente métricas de quanto tempo uso o aplicativo, quais são os que mais uso. É como se fosse a balança, que estou subindo e fazendo meus exames para me autoconhecer. O primeiro passo é o autoconhecimento. Eu não posso melhorar nada em mim se não conhecer aquela coisa dentro de mim e souber onde preciso melhorar. Se eu passar me auto observar e começar a fazer anotações de quanto tempo fico fazendo isso ou aquilo, quanto tempo uso telas, assistindo séries no Netflix, você vai ter uma visão da sua vida, do que chamo de nosso peso digital. Por isso que é subir na balança. Será que estou acima do peso? Não sei, vai depender do que quero para minha vida. Isso é um processo muito individual, independente de cada um, não é prescritivo, não existe receita para passar. É um processo individualizado, por isso é processo de mentoria, um a um, funciona muito bem, assim com nutricionista. Eu vou ao nutricionista com muita frequência, uma vez a cada três meses, que me guia pela minha vida. É um processo um a um de autoconhecimento e ela me pergunta o que quero para os próximos meses, se é aumentar massa muscular, por comer mais carboidrato, treinar mais. É um processo nesse sentido, uso essa analogia do nutricionista porque é individual, de cada um, mas existem ferramentas que podem nos ajudar a ser mais conscientes.
M1: Entendi. E os cinco Cs são pilares, onde, uma vez feito um diagnóstico de onde estou, a pessoa fica observando e fala que está totalmente sem controle ou que está completamente desbalanceado, e começa a atacar um pilar desses, é esse o caminho?
M2: Seria exatamente isso. É bom conversar, que a pessoa já entende, você já entendeu. Tem uma ferramenta que chama roda da vida, do mundo do coaching, tem gente que gosta e que não gosta. Essa ferramenta é interessante porque mostra que, na nossa vida, temos dimensões. Você imagina que tem a dimensão da vida financeira. A sua vida financeira e sua saúde são duas dimensões totalmente diferentes. Você pode estar muito bem financeiramente e mal de saúde ou muito bem de saúde e mal financeiramente. Essa ferramenta me inspirou criar a ferramenta de análise das habilidades, porque se estou precisando trabalhar minha vida financeira, vou trabalhar a financeira, se precisar trabalhar meu equilíbrio conectado desconectado, é essa habilidade que vou focar. É como se fosse o teste inicial de subir na balança para a gente ver qual dessas dimensões precisam ser trabalhadas e onde dói. Será que está doendo porque tenho um projeto de vida que não consigo avançar? É a questão de encontrar a dor da pessoa e onde a consciência digital pode ajudar nisso.
M1: Isso traz até questões existenciais à tona. Tem gente que, talvez, prefira ficar distraída, do que ter que assumir essa responsabilidade toda, por onde quer chegar. É uma reflexão. O cara está maratonando séries e o dia inteiro curtindo coisas, que me parecem um grande desperdício. É curioso. Existe também esse tipo de reflexão filosófica? Cada um decide o que quer da própria vida, quem vai julgar a vida de quem?
M2: Quem vai não sou eu, não sou ninguém para julgar a vida da outra pessoa. É por isso que o caminho é da pessoa. Se converso com alguém e a pessoa acha que não tem nada que precisa mudar e melhorar, beleza. Vida que segue. Mas a pessoa chega e fala que está sentindo que precisava terminar um projeto, mas não consegue porque ficar procrastinando. Procrastinação é outro conceito muito grande dos vieses do ser humano. A gente fica deixando tudo para depois, tem a lei de Parkinson, que diz que o tempo que você tem para fazer uma tarefa. Se tiver um dia, leva um dia, se tiver um mês, leva um mês, e a gente expande aquele tempo.
M1: É igual o gás, não é?
M2: É igual o gás, exatamente. Ele assume o espaço dado. Uma coisa que gosto de conectar muito com agilidade é o conceito dos prazos. O que é o conceito de um modelo interativo que o Scrum trouxe de, por exemplo, criar o conceito de sprints pequenas. Isso nada mais é que você trazer prazos menores, porque o ser humano procrastina. Se eu for procrastinar no projeto de um ano, só tem um prazo, que é um ano. Projeto cascatão. Se eu tiver um sprint semanal, eu tenho pequenos prazos de uma semana para procrastinar a cada semana.
M1: Está comprimindo o gás, ao invés de expandir. Está usando a lei de Parkinson a seu favor.
M2: Respondendo mesmo à pergunta, acho que a liberdade e autonomia estão em cada um. Acredito muito que cada ser humano tem que ter essa liberdade, mas o que acontece é que, às vezes, a gente nem sabe. Se não fosse isso, aquele documentário do dilema das redes não teria feito tanto sucesso. Recebi tanta mensagem relacionada àquele documentário, o pessoal dizendo que não sabia que era assim. Não é que a pessoa sabe e quer ficar dentro daquilo sabendo, na maioria das vezes não é desse jeito. Na maioria das vezes, a pessoa não sabe que está sendo usada, manipulada e influenciada. Uma vez que você soube e decidiu ficar lá, ótimo.
M1: Esse documentário é interessante. Quando pega os personagens dizendo que o cara sumiu e tem que fazer ele voltar, tem gente que fala que é exagerado, mas não é. É exatamente isso, você fica lutando, sua tensão. Esse tema realmente é muito relevante e engraçado que a gente não foge do conhece a ti mesmo, do Sócrates. Primeiro, você tem que se conhecer, para depois saber o que faz. Eu não sei se você tem conhecimento específico sobre isso, mas é uma pergunta que não posso deixar de fazer, porque tenho filhos e vejo desde novos. Você está falando uma coisa que, para mim, é como se fosse algo a ser ensinado na escola a ter consciência digital. Eu falo para os meus meninos que somos susceptíveis a dopamina, mas como explica isso para criança. A gente fica ganhando recompensas o tempo todo e, de tudo que a gente falou aqui, quando entende essa natureza de processo de vício, o (inint) fala que você não vai dar álcool a seus filhos, mas deixa seus filhos ficarem ali. É a pressão social, todos os outros estão fazendo, com eletrônicos, com a pandemia, isso agrava mais, você fica lutando para combater. Parece que essa consciência digital deveria começar novinho. Como você enxerga isso?
M2: É legal você ter citado essa fala do Simon. Eu lembro mesmo dessa vez que ele fala da dopamina, eu até cito no capítulo do livro. Acredito que a gente não conhece todos os efeitos negativos. Você deve lembrar, pouco mais de 20 anos atrás, quando o cigarro era visto como uma coisa super legal, ninguém sabia dos efeitos do cigarro relacionado ao câncer de pulmão e todas as doenças respiratórias que pode causar. A gente vive em um mundo onde o digital está nesse nível, a gente ainda não conhece os efeitos e parece bonito você entregar um celular na mão do seu filho e deixar ele quatro horas com aquele celular. Parece legal você terceirizar o serviço de cuidar da criança. O Steve Jobs, muito sábio, não deixava os filhos dele usarem os equipamentos, o iPhone. Ele devia imaginar que aquele negócio era tão viciante que já não deixava. Tem algumas pesquisas saindo sobre a falta de interação com pessoas, a criança brincar na rua com os outros, se sujar, quando eu era criança, brincava de bolinha de gude, peão na rua e, agora a criança fica no celular. O conceito de realidade para aquela criança está sendo totalmente transformado, a gente não sabe ainda quais são todos os efeitos. De novo, trazendo uma palavra que guia muito a minha vida, é o equilíbrio. Não acho que o celular é tão prejudicial como, exemplo, o cigarro, que você deve realmente tirar a pessoa, mas usar com um pouco de equilíbrio. Tem uma psicóloga com quem eu fiz uma live, a Bianca, e é muito mais experiente que eu nessa questão de psicologia infantil, que me deu uma dica interessante. Ela disse que existem aplicativos que deixam a criança passiva. Por exemplo, a criança, ao assistir um vídeo do YouTube, está passivamente assistindo, e existem aplicativos que fazem a criança ser ativa, ou seja, fazer um desenho, algum joguinho que, de alguma forma, usa a cognição. Existe uma recomendação que se use um desses mais ativos do que o passivo, para que a criança tenha a ação de fazer alguma coisa e não ficar só passivamente consumindo. Gosto sempre de falar isso.
M1: Super interessante, o nosso cérebro é super elástico, vai formando conexões baseado no que acontece fora. Gosto muito da imagem do cérebro dentro de uma caixa preta fechada, onde chegam os estímulos. Na medida em que você não tem contato com uma realidade física, só contato com realidade virtual, é claro que aquele ser está mapeando o mundo diferente. Se ainda, além de ter contato só com uma realidade virtual, só passivo. Quando pensa sobre isso, é muito assustador. É claro que você está produzindo um tipo de pessoa diferente, não é um detalhe como a gente podia pensar. E quando você falou do cigarro, é interessante. Eu estou vendo a série Mad Men, na década de 60. Fumar parecia quase obrigação. É engraçado, o médico atende a consulta fumando, os caras fumam no escritório, almoça e janta fumando. Essa analogia é interessante, é um ato pervasivo. Hoje mesmo o celular está em todo lugar, o tempo todo, você está com um amigo e está com celular, está na cozinha com o celular, conversando com alguém e olhando mensagem.
M2: Tem muito experimento que a ciência mostra que o ser humano faz o que os outros estão fazendo. O fator do bandwagon effect, que é de vai junto com quem está indo. O experimento do pessoal que entra no elevador e todo mundo virado de costas para o elevador. Todos são atores e entra uma pessoa. Ela pensa um pouquinho e faz a mesma coisa. Se você pergunta para a pessoa o porquê de ela estar fazendo isso, ela geralmente responde: não sei, eu fiz porque todo mundo a minha volta estava fazendo. A gente faz muita coisa porque está todo mundo a nossa volta fazendo, o ser humano é muito de ir com manada. Está todo mundo indo, eu vou também, não sei nem porquê.
M1: Essa é uma visão do ser humano, nós somos manipuláveis, cheios de vieses e ainda vamos com a manada. Cada pessoa se sente tão autônoma e independente. Parece o filme daquele comediante.
M2: Do Truman?
M1: Do Truman, que fala que está vivendo de um jeito. Quando você olha, vê que faz as coisas porque os outros fazem, sou manipulado o tempo todo. É como se caísse na real, de repente. Nós estamos chegando ao final. Queria emendar como a gente transporta isso para o ambiente de trabalho, porque essa consciência digital é importante. Quando fala em foco, produtividade, não procrastinar, tem uma aplicabilidade direta, não tem?
M2: Tanto tem uma aplicabilidade no trabalho quanto tem uma correlação muito grande com as coisas que a gente traz na agilidade. Por exemplo, vamos falar de concentração e foco. O conceito de pareamento foi trazido pelo XP, com o que comecei a trabalhar em 2005. Não tinha nem Scrum no Brasil, a gente trouxe para cá em 2007, participei da primeira turma junto com uma galera, o Alexandre Magno, Juan Bernabó. Hoje eu não programo mais, mas faço muita coisa de forma pareada. Às vezes, preciso montar uma apresentação, porque vou fazer uma palestra. Eu chamo alguém para fazer comigo, porque o pareamento traz foco e concentração. Se você está sozinho, é mais facilmente distraível do que se estiver com alguém. Tem um site que chama Focusmate e é muito interessante.
M1: É meio paradoxal. A pessoa, para ficar concentrada, quer ficar sozinha.
M2: Pois é, e tem muita gestão antiga que acha que se tiver duas pessoas trabalhando sozinhas vão ter a produtividade duplicada, e se colocar as duas para trabalhar junto, vai diminuir pela metade. É totalmente o oposto. Você coloca duas pessoas para trabalhar junto e a produtividade vai para cima, porque o nosso trabalho hoje não é repetitivo, exige muito concentração e cognição. Ao trabalhar junto, soma os dois. Tem outra coisa do mundo corporativo. Eu trabalho em uma empresa com 14 mil pessoas, tenho equipes que me comunico no mundo todo e também tem o tema, que a gente não tratou, mas dá outro podcast, que é a infobesidade, que é a sobrecarga de informação que recebe hoje em todos os canais. Quantos e-mails a gente recebe por dia? Hoje eu tenho um conceito de filtros inteligentes no e-mail e só leio entre 10 e 20% do que chega para mim, porque chega muita coisa que nem precisaria receber, mas como a gente trabalha em um ambiente de muito broadcast, em que a informação chega até a gente e o filtro acaba ficando no consumidor da informação, a gente acaba tendo que saber filtrar isso muito bem. Não só filtrar no e-mail, mas em todos os canais que a gente tem, onde essa informação chega. Esse tema da infobesidade dá outra conversa, porque é um dos pontos que mais tenho visto na questão corporativa das empresas, a falta de foco, que dá para a gente trazer com algumas técnicas, como do Pomodoro, que uso muito, às vezes coloco no meu Google Calendar 30 minutos, que não é uma reunião com outra pessoa, mas só eu comigo mesmo para fazer alguma coisa. Eu digo que vou usar aqueles 30 minutos para fazer alguma coisa durante 30 minutos. Tem uma questão de falta de organização, não saber o que está fazendo, a famosa multitask, em que a gente tenta fazer quatro coisas ao mesmo tempo e acaba não fazendo nenhuma direito. Tudo isso tem uma conexão com o trabalho produtivo ou não produtivo e, agora, que a gente está de home office, acho que a coisa fica mais crítica. Em casa, a gente acaba sendo mais facilmente distraível com outras coisas e esse foco e concentração ficam mais difíceis.
M1: Eu acho que isso é subestimado pelas pessoas e talvez por essa falta de consciência. Eu tenho uma empresa, a DTI, e já tentei várias vezes trazer isso à tona, e é engraçado. Eu tenho 47 anos e lembro de ter lido na década de 90 um livro, o peopleware, que foi famoso na época. O cara já falava do telefone, tocando e te interrompendo, não permitindo entrar em flow. Isso é absolutamente subestimado hoje, o cara que entra em flow tem um nível de produtividade tão mais alto. O cara trabalha com dez janelas abertas, responde mensagens, o Teams aberto, WhatsApp, Instagram. Como vai concentrar?
M2: Hoje em dia está em um nível, que você está em reunião com três pessoas e é até desrespeito, falta de dar a atenção ao que realmente importa. Imagina que estou gravando esse podcast com você, você me faz uma pergunta e eu falo: o que foi mesmo que você me perguntou? Não estava prestando atenção, estava vendo outra coisa. Isso é inadmissível, se eu te respeito e agendei esse tempo para a gente gravar esse podcast, é minha responsabilidade estar 100% presente com você, porque é isso que está acontecendo agora comigo e com você. A gente está presente, em flow. Quando estou gravando, fico mega em flow, e é muito legal estar presente. Até para citar uma outra referência, que o pessoal adora, tem um livro que gosto muito que mudou minha vida, chamado o poder do agora, não sei se você conhece, do Eckhart Tolle.
M1: É muito maluca a história do cara.
M2: Muito. E não só o livro. Eu escutei o livro e fiz um retiro espiritual com ele, com o Eckhart Tolle, de três dias. A gente ficou imerso em um galpão, no meio do nada, sexta, sábado e domingo e isso mudou muito minha forma de enxergar essa questão de estar presente. É isso que você está falando, se você está fazendo alguma e coisa e está presente, se você se colocou naquela iniciativa, de fazer uma planilha, 25 minutos, você entra em flow e acaba. Mas se ficar fazendo oito coisas ao mesmo tempo não dá. Nesse momento, a única coisa que estou fazendo é falar com você, não estou fazendo mais nada, removi todas as distrações à minha volta, meu celular está no silencioso, se alguém ligar, não toca, porque estou aqui, concentrado, focado na gravação desse podcast, e espero que vocês que estão ouvindo também estejam.
M1: Sensacional, Fábio. Adorei a conversa, acho interessante que as questões humanas são sempre as mesmas. Você pega desde os históricos e fica no presente. É impressionante como nosso cérebro divaga e não deixa a gente viver plenamente. Certamente teremos outro episódio, foi um prazer essa conversa. Como eu disse no começo, a gente teve um episódio uma vez com o Humberto Mariotti, muito erudito e ainda estuda complexidade. É psicólogo, super legal, filósofo, e fala muito sobre a natureza humana. A gente tem que entender a natureza humana e falou hoje sobre isso. Muito obrigado, Fábio. Um grande abraço.
M2: Eu que agradeço. Quando a gente está em flow, a duração do tempo é diferente. Tem um documentário que fala quanto tempo o tempo dura. E passou muito rápido aqui, porque foi tão boa a conversa. Eu te agradeço, foi uma hora boa, feliz, de flow. Estou me sentindo muito bem. Obrigadão