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os agilistas

#164 José Salibi, autor do best-seller Estratégia Adaptativa: como adaptar-se de maneira estratégica

#164 José Salibi, autor do best-seller Estratégia Adaptativa: como adaptar-se de maneira estratégica

os agilistas
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José Salibi: Todo mundo sabe agora, tem que colocar o cliente em primeiro
lugar. Mas se você vem com processos velhos que sustentam isso, a coisa
não acontece, entendeu? Se você vem com pensamento voltado para
eliminar a concorrência, você vai gastar toda a sua energia eliminando a
concorrência e pouco tempo criando valor para o cliente. E aí entra um
conjunto de coisas de que nós falamos, estratégias adaptativas, que são os
ingredientes para fazer isso acontecer.
Marcelo Szuster: Bom dia, boa tarde, boa noite. Vamos começar mais um
episódio dos Agilistas, estou aqui sempre com o Vinição. E aí, Vinição, tudo
joia?
Vinícius Paiva: E aí, pessoal. Tudo bem? Vamos lá.
Marcelo Szuster: E hoje a gente vai ter, eu já vou apresentar o nosso
convidado, eu acho que vai ser uma surpresa muito grata para os nossos
ouvintes, porque nós estamos trazendo uma pessoa muito especial que vai
tratar de um tema que é extremamente relevante para tudo que a gente
fala aqui nesse podcast Agilistas e sempre tem a ver com a transformação
organizacional , e a gente sempre salienta muito que essa transformação,
apesar de ser drivada pela tecnologia, está sendo causada pela tecnologia,
é uma transformação de uma natureza muito mais humana e
organizacional. E é interessante porque nós vamos falar sobre um livro aqui,
e esse livro vem abordar justamente o que eu acho que é um gap mesmo
que existe nas empresas, que é compor uma nova visão estratégica de
como atuar. E aí essa transformação sempre traz uma consequência nessa
nova visão estratégica. A gente sempre fala que quer fazer transformação,
que ela tem que ser top down e bottom up, mas a gente faz um esforço
bottom up enorme e falta lá o esforço do top, então nós vamos conversar
aqui com o José Salibi Neto, que é autor do livro Estratégia Adaptativa,
cofundador da HSM. José Salibi, é um grande prazer te receber. Se você
puder se apresentar também seria muito bacana.
José Salibi: Bom, eu comecei minha carreira aos 26 anos, comecei a minha
carreira HSM aos 26 anos, depois de ter passado uma boa temporada nos
Estados Unidos com o objetivo de trazer o melhor do pensamento gerencial
para o Brasil através dos grandes gurus da gestão. A empresa se
desenvolveu, ela acabou indo para a Argentina, para o México, para a
Espanha, para a Itália e para os Estados Unidos, e fiquei 30 anos na empresa
trabalhando com todos os principais pensadores da gestão, sem exceção.
Trabalhei com todos, literalmente. Desde o Jack Welch até o Peter Drucker,
até o Peter Diamandis, de Peter a Peter. Depois de 30 anos na empresa,
achei que já estava na hora de fazer algum outro movimento, de estar no
mercado da educação que é a minha paixão, educação executiva, mas não
daquele jeito que eu estava, fazendo grandes eventos; achei que estava na
hora de sair, já tinha vendido minhas ações. Eu saio da empresa e
imediatamente começo a trabalhar em um livro chamado Gestão do
Amanhã com o Sandro Magaldi, que é o meu grande parceiro, trabalhou
comigo dez anos na HSM, escreveu nosso primeiro livro chamado Movidos
por Ideias, e começamos a conversar sobre como a tecnologia evoluiu
nesses últimos 20 anos e como a gestão não evoluiu, o pensamento de
gestão ficou parado no tempo, ele não acompanhou o desenvolvimento da
tecnologia. Por isso que a gente vê tantas besteiras, eu vejo essas empresas
ligando, botando robôs para infernizar nossa vida. Quer dizer, eles têm
robô, têm inteligência artificial, e ao mesmo tempo ficam perturbando o
cliente. Então existe uma desconexão entre o cliente e empresas que têm
a tecnologia, mas não sabem exatamente usá-la. Então essa tem sido a
razão da nossa vida, nós escrevemos o Gestão do Amanhã, que é o livro
mais vendido de gestão do Brasil atualmente, já passamos 70 mil cópias
vendidas, o Novo Código da Cultura, o Estratégia Adaptativa e, mais
recentemente, Estudos de Caso Gestão do Amanhã. Nós pegamos seis cases
de empresa, três que vieram do mundo analógico e se transformaram, e
três que nasceram no mundo digital, e procuramos ver o que elas têm em
comum. Então ficou um livro bem legal. Tem outros livros também,
Algoritmo da Vitória, O Que as Escolas de Negócio não Ensinam, mas o
principal do meu trabalho está em cima dessa trilha de exponencial, agora
com a adição do Estudos de Caso: Gestão do Amanhã. Então tem sido a
nossa razão de viver, a gente tem procurado trazer. Acho que o público está
aceitando muito bem porque o retorno que a gente tem tido é muito
grande através de convite de palestras, nossas imersões, das vendas dos
nossos livros. Sabem que vida de autor no Brasil não é fácil, porque toda a
cadeia está meio desmantelada, mas mesmo assim a gente consegue ter
um sucesso bastante grande. Então é isso que eu quero fazer de agora até
os meus últimos dias, procurar contribuir. No fundo, eu passei a minha vida
inteira contribuindo através de outros, e agora chegou a minha vez. Foram
30 anos de trabalho duro com os grandes nomes, de muito estudo, então
eu fui treinado de uma forma informal, e depois que eu saio da HSM tudo
começa a fazer sentido para mim, das coisas que não mudaram, tem muita
coisa que vale ainda, mas tem muita coisa que não vale. Em resumo, é isso
que eu estou fazendo.
Marcelo Szuster: Eu queria começar fazendo uma pergunta que é assim:
você obviamente tem uma visão bastante privilegiada ao longo dos anos de
lidar com todos esses pensadores. O livro começa justamente fazendo um
resumo da história da estratégia, de como o pensamento estratégico
evoluiu, de como ele é recente, até muito mais recente do que eu
imaginava. Eu acho interessante. Se você pudesse fazer um breve resumo
desse resumo e principalmente à luz do seguinte: por que que a despeito,
até colocado na introdução do livro, a despeito da pandemia que está
gritando, ou seja, se já era óbvio que a gente tinha que mudar, se já tem
muitos anos. Você tem eventos que vão tornando isso cada vez mais óbvio,
mas a despeito disso, a liderança continua muito tradicional, a forma de
orçar tradicional, a cultura, tudo. Por que é tão difícil?
José Salibi: Bom, falando dos 200 anos de estratégias, nós adoramos
timelines. A gente consegue, através de uma timeline, desde o começo da
empresa, ou do começo da empresa ou do começo de alguma prática, no
caso, estratégia, a gente consegue ter um entendimento muito claro de
para onde ela está indo. Porque se você pega do nada, você não sabe de
onde ela vem, e se você não sabe de onde as coisas vieram, você não vai
saber para onde elas vão. Então eu aprendi isso muito com o Peter Drucker,
eu convivi e trabalhei com ele por 14 anos e toda vez que eu fazia uma
pergunta para ele sobre o futuro, ele me respondia com algum exemplo do
passado. E às vezes ele andava 200, 300 anos para trás. Uma vez eu não me
contive, eu tive que perguntar: “Poxa, Peter, a gente está aqui falando do
futuro, você me fala da Revolução Francesa”. Ele falou: “José, se você não
entender muito bem o passado, você não vai saber o que pode acontecer
no futuro”. Então isso tem dirigido tudo o que nós fazemos, inclusive no
nosso livre Estudo de Caso: Gestão do Amanhã, nós pegamos seis empresas
e contamos na timeline desde o começo da empresa, com os movimentos
principais. E nessa questão de mudança, que é tão difícil mudar, resumindo
o Estratégia Adaptativa, a gente divide o pensamento estratégico em três
grandes blocos. O primeiro bloco é o que a gente chama de Eficiência
operacional, que vai desde a Primeira Revolução Industrial até o final dos
anos 70. Era uma época de pouca concorrência, quem fizesse alguma
atividade bem, um produto ou serviço, tinha muito sucesso, você tinha
mercados fechados, e tudo funcionava bem. As empresas basicamente
quebravam por deixarem de fazer bem as coisas. A partir dos anos 80, nós
tivemos aí o advento da globalização, os mercados começam a se abrir, os
produtos japoneses começam a invadir os Estados Unidos em memory
chips, em carros eletrônicos, e a gente começa a ver um novo cenário
voltado para a concorrência, onde o foco da estratégia é a concorrência, é
ver o que que a concorrência está fazendo e tentar fazer melhor do que ela
ou eliminá-la. E aí todos os movimentos de gestão, e isso foi protagonizado
pelo professor Michael Porter, que entendeu esse novo ambiente,
começou a escrever livros focados em competitividade, competição,
mostrando quais seriam as estratégias, inclusive fazendo muitas analogias
militares, de flanco, de você atacar o concorrente. E nessa altura, sim, as
empresas acabavam com seu foco estratégico ou para eliminar o seu
concorrente ou para comprar seu concorrente para ter o cliente na mão. A
gente viu os bancos abrindo milhares de agências, pelo Brasil era
praticamente impossível você pensar em entrar no mercado bancário. E aí
você vê o Nubank hoje, tem mais de 40 milhões de clientes e não tem uma
única agência. E aí o que aconteceu? Como você falou, eu tive essa visão
privilegiada, eu realmente tive, da gestão através dos anos, e a gente viu, a
partir dos anos 2000, a tecnologia – eu coloco a data de 2000 porque foi o
ano da bolha, onde todo mundo achou que a tecnologia não era tudo isso.
Mal sabiam aspessoasqueatecnologiaestavaapenascomeçando. Houve
uma explosão de rapidez pela Lei de Moore, que dobra de capacidade a
cada 18 meses e o custo fica igual, então o mundo começa a pegar uma
outra tração, e a gente começa a ver empresas, por exemplo, como a Apple
no mercado de músicas através do iPod. Então como é que pode isso, o que
a Apple tinha a ver com mercado de música? A gente percebe que essa
explosão da tecnologia derrubou barreiras de entrada em vários mercados,
e cada vez mais derruba. Hoje você pega, por exemplo, o mercado
automotivo, e o grande disruptor foi o Uber. Não tinha nada a ver com
montadoras, a Uber não fabrica carros, mas através de um novo modelo de
negócios, eles causaram uma ruptura na indústria automotiva. Então a
gente começa a ver que agora a única maneira, com o crescimento da
tecnologia, e a gente pode associar o crescimento da tecnologia ao ritmo
das mudanças, inclusive eu vi uma frase ontem do primeiro ministro do
Canadá, ele falou o seguinte:”As mudanças nunca foram tão rápidas e
nunca mais serão tão lentas”. Entendeu?
Marcelo Szuster: Vai acelerar mais, não é?
José Salibi: É verdade, nunca mais serão tão lentas. Aproveita agora, porque
se você não aproveitar, a velocidade vai te engolir. E nesse mundo dirigido
pela tecnologia, a única maneira de você ficar competitivo é ter o cliente no
centro. É importante saber o que a concorrência está fazendo, mas eu não
canso de ouvir de empresas inclusive coo o Nubank que o foco deles é o
cliente. Eles não estão preocupados se o Itaú está fazendo algum serviço,
se o Bradesco está oferecendo uma taxa menor. Eles estão fazendo o que
eles acham que é bom para o cliente. Então o que acontece? As empresas
estabelecidas vieram todas de uma época de um mindset onde o foco era
a concorrência, e para mudar esse mindset – toda a estrutura da empresa,
todos os processos, tudo era uma função do concorrente – e para mudar
todo esse arsenal de coisas, é muito difícil. Demora muito. E com relação a
mudança, você tem que mudar a cultura da empresa, coisa que nunca
ninguém pensava. A cultura da empresa era uma coisa dada, que ficava lá
durante vários anos, e de repente, aquela famosa frase do Peter Drucker,
que é a cultura como estratégia no café da manhã, a gente percebe que
virou isso. Quer dizer, você tem um mundo completamente diferente, todo
mundo vai lá, foca na estratégia, mas não foca na cultura, então eles não
conseguem fazer. Você pode ter a melhor das estratégias, mas se você não
tiver uma cultura que a sustenta, você não vai fazer mudança nenhuma. Por
isso que a gente vê que mais de 80% dos projetos de transformação digital
não dão certo, porque eles focam muito na tecnologia e pouco na cultura
da empresa, exatamente o que eu estava falando aqui desses robôs nos
infernizando a vida, ligando. Eu até procuro ouvir para anotar o nome da
empresa que está fazendo isso.
Marcelo Szuster: É interessante o que você diz, porque se eu estou
entendendo bem, você fala o seguinte: houve uma mudança do eixo para
que você tenha que ser de fato customer centric. Ou seja, não basta nem
você fazer bem o que você já faz, ou simplesmente olhar para o competidor
e ser mais eficiente do que ele, porque nessas abordagens sempre havia
uma visão mais estática do jogo estratégico, você podia mais ou menos
perseverar ou ficar melhor no que você fazia e pronto. Quando você coloca
o cliente no centro, tem até um autor que eu gosto, eu sempre me esqueço
do nome dele, é um cara que escreve na Forbes e tem um livro que chama
The Age of Agile, eu sempre gosto de citar.
José Salibi: Steve Denning.
Marcelo Szuster: Steve Denning, é. Ele fala que essa mudança, que talvez
essa seja a explicação de porquê seja tão difícil, ele faz uma analogia falando
que botar o cliente no centro do universo é igual quando o Copérnico
colocou o céu no centro do universo. Não é só agora, uma informação nova:
“Não é mais a Terra, agora é o Sol”; não, os modelos físicos mudaram, o
entendimento do universo mudou, o entendimento do ser humano mudou.
Então me parece que quando você está realmente colocando o cliente no
centro do seu universo, isso tem implicações muito mais profundas do que
inicialmente as empresas podem pensar, não é?
José Salibi: Verdade. Não adianta você, todo mundo sabe agora que tem
que colocar o cliente em primeiro lugar, mas se você vem com processos
velhos que sustentam isso, a coisa não acontece, entendeu? Se você vem
com o pensamento voltado para eliminar a concorrência, você vai gastar
toda a sua energia eliminando a concorrência e pouco tempo criando valor
para o cliente. E aí entra um conjunto de coisas de que nós falamos,
estratégias adaptativas, que são os ingredientes para fazer isso acontecer,
que são dados, o mundo voltado para a tecnologia produz uma quantidade
enorme de dados, e através desses dados você tem insights para criar
produtos e serviços inovadores, você tem sistemas ágeis, porque hoje com
essa velocidade que nós estamos vivendo é impossível você ter empresas
verticais. Hoje, as empresas são cada vez mais horizontais, você sabe disso,
é um expert em agilidade, e a cultura, que ninguém falava. Às vezes as
empresas iam lá, faziam toda a mudança, mas a cultura ficava a mesma,
então as pessoas continuavam com um comportamento antigo, e a gente
percebe, e mudança de cultura não é brincadeira, porque é muito mais fácil
você mudar a tecnologia do que mudar a cultura de uma empresa.
Tecnologia você vai lá e compra, na cultura você tem que mudar crenças,
comportamentos, pressupostos, artefatos, você tem que mudar um monte
de coisa. Isso é extremamente complicado e extremamente mal feito, por
isso que nós escrevemos o livro O Novo Código da Cultura, para mostrar
isso; sem você mudar sua cultura para virar uma cultura customer centric,
todo o resto que você está fazendo não vai funcionar, inclusive a própria
tecnologia.
Vinícius Paiva: É interessante esse ponto, você até coloca, eu já vi algumas
palestras suas gravadas no YouTube, os fatores que você coloca lá dessa
questão de o cliente no centro, a gente ter inovação contínua, eu vou fazer
uma pergunta fazendo quase o papel do advogado do diabo, porque a
gente também fala muito disso aqui, mas eu queria ter uma visão diferente,
uma visão externa. Esse ponto de você ficar totalmente customer centric,
só fazendo sensitive sponsor e reagindo ao que ele está pedindo ali, não
pode você acabar não tendo muita estratégia, só seguindo o que está sendo
demandado, sem voltar para uma direção que não é o próximo adjacente,
dar um salto.
Marcelo Szuster: Vinição, e a história do foco, não é? Porque se confunde
um pouco com aquela recomendação de ter foco, não é? Tipo, a Apple foi
vender música. Se desse errado, talvez alguém falasse que foi falta de foco,
não é?
Vinícius Paiva: É, perder meio que a identidade. Você vai adaptando tanto
ali ao que está vindo de cliente, e você? O que você acha?
José Salibi: Aí que a gente vem com o modelo da estratégia adaptativa, que
o modelo tradicional de estratégia, e eu trabalhei com o professor Michael
Porter durante 25 anos e ele não cansava de falar que o objetivo da
empresa era criar sustainable competitive advantage, a vantagem
competitiva sustentável, que é aquela vantagem que ia sustentar você por
muitos anos, e a gente sabe que não acontece isso. Então não é que a gente
deixa de ter uma estratégia, a gente tem uma estratégia, mas a gente tem
que ficar sintonizado com o que acontece no mercado para montar essa
estratégia. E ela tem que ser adaptativa porque ela muda. O tempo de vida
de um produto ou serviço hoje é infinitamente menor do que era há poucos
anos atrás, então a gente vê que não é que você não tem que ter uma
estratégia; sim, você tem que ter uma estratégia, só que ela tem que ser
mais dinâmica, ela tem que ser mais rápida, ela tem que ser adaptada ao
mercado. E fica muito naquele mundo em que você vivia das grandes
competências essenciais; hoje, as competências essências, você tem que
criar novas e novas competências essenciais o tempo inteiro. Você vê o
Nubank que inovou tanto, e agora cria o Marketplace. Como é que você
explica isso? Na verdade, você não tem uma estratégia. Você tem uma
estratégia de mais curta duração. E depois você tem o propósito da
empresa, porque você está lá. Então estratégia, propósito, cultura,
agilidade, dados, eles andam juntos, na minha opinião.
Vinícius Paiva: Legal. Aí entrando em mais um outro ponto que você trouxe
que é legal, que você traz essas três grandes fases, primeiro essa fase da
otimização, depois da globalização e concorrência, e agora essa fase de um
certo nível de aceleração tecnológica e muda o jogo com uma frequência
muito alta; igual você falou, a estratégia tem que ser renovada o tempo
todo, agora, tem um outro ponto que tem acontecido cada vez mais que é
assim: será que a gente não vai acabar voltando para uma era de monopólio
que tinha antes, de empresas muito grandes comprando outras e acaba que
você tem que voltar quase que para a sua estratégia inicial lá, porque na
prática você não tem tanta competição assim? Hoje em dia, o Guga pode
comprar uma cidade inteira. Como é que fica isso? A gente fala dessa
questão da concorrência, mas dá para ter concorrência mesmo, de
verdade?
José Salibi: Eu acredito que sim, eu acho que sim. Nós temos empresas que
estão pegando uma proporção enorme, eu nunca imaginei que uma
empresa fosse valer mais de um trilhão de dólares. A Microsoft vale 2.5
trilhões, então o crescimento das empresas de tecnologia que enxergaram
esse movimento lá atrás é muito grande. Por outro lado, nunca houve na
história da humanidade uma oportunidade para empreendedorismo como
existe hoje. Hoje as barreiras estão derrubadas, ineficiências, ainda mais no
Brasil, um país com muitas ineficiências, apresentam oportunidades
gigantescas de empreendedorismo; hoje você, para empreender é bem
diferente de quando eu empreendi lá em 86, eu considero que eu fui um
milagre, eu escapei, até hoje não entendo como eu escapei de tantos
ataques governamentais. Eu passei por dois confiscos na minha vida
profissional, você não tem ideia. Vocês são mais jovens, vocês não têm ideia
do que é isso, passar por um confisco do governo, o governo vai lá e pega
teu dinheiro. Passei por isso no Brasil e na Argentina.
Marcelo Szuster: É para ficar bem bravo.
José Salibi: O mundo tem outra cara agora. A gente viva na era das ideias,
de você ver o que está acontecendo no mercado e criar soluções, foi o que
o Nubank fez. A hora que o Davi Vélez foi abrir uma conta, ele se sentiu
como um presidiário literalmente quando ele entrou em uma agência. Ele
falou assim: “Não é possível que não tem um outro jeito de fazer as coisas”.
Então eu vejo, hoje eu estava no Cubo, o nível de empreendedorismo que
tem hoje no mundo digital é muito grande. Easempresasgrandessempre
estiveram aí, os grandes monopólios, se é que se pode chamar de
monopólios, sempre estiveram por aí. AGE já foi uma delas, enfim, nós
tivemos outros casos de grandes monopólios. Eles vão durar para sempre?
A gente não sabe, o mundo está mudando constantemente e alguém pode
desenvolver um outro algoritmo melhor do que o Google. A gente vive em
um mundo muito borbulhante hoje. Não acredito que o mundo vai ser
dominado pelo Google, pela Microsoft, pela Amazon. São empresas fortes,
como sempre tiveram empresas fortes e sempre vão ter. É lógico, você tem
casos que a hora que a empresa realmente começa a dominar o mercado,
você tem interferência governamental, e já tiveram alguns casos que
forçaram empresas a se dividiram. E aí você pega, por exemplo, a AGE agora
está dividida, porque cresceu tanto que perdeu controle do seu
crescimento, então ser muito grande às vezes é muito perigoso também, a
gente sabe disso. O tombo é bem maior.
Vinícius Paiva: Chama muita atenção também.
José Salibi: Chama muita atenção e todo mundo quer. Mas o nível de
empreendedorismo que eu vejo hoje, ainda mais agora que você não tem
que comprar tecnologia, você pode acessar via nuvem, via cloud computer,
então qualquer empresa, qualquer jovem com uma boa ideia, do jeito que
eu vejo os jovens hoje, puta, eu vejo os jovens hoje querendo criar uma
startup, querendo trabalhar com inovação. Eles não querem mais aquele
mundo em que eu comecei que era o mundo de fazer carreira em grandes
empresas. As empresas grandes vão ter que se mexer, porque elas estão
perdendo talento após talento. Então é mais ou menos essa a minha visão.
Marcelo Szuster: Até no livro você cita isso, pega o próprio Spotify. Ele
apareceu para dominar esse mercado de música e tinham outros
candidatos aí. É interessante isso. Ou seja, podia ter sido o próprio Google
que podia ter dominado isso, ou a Apple. Então realmente é muito
dinâmico, tem muitos espaços. Uma coisa que eu queria explorar é uma
pergunta muito recorrente, eu tenho certeza que os ouvintes sempre
pensam nisso. Como é que você faz para empresas mais tradicionais,
porque os exemplos são muito de empresas que já são mais digitais, e é o
que eu sempre digo, eu gosto de falar para os céticos; como é que você faz
para começar a mover uma empresa tradicional nessa direção, sendo que
as empresas estão acostumadas a contratar, igual você disse, o ser humano
adora um pensamento mágico, simplesmente contratar alguma coisa em
vez de queimar a pestana para fazer o negócio acontecer, então como é
que uma empresa dessas começa? Quando você diz que é uma estratégia
adaptativa, ela tem que primeiro claramente formular uma estratégia que
leve em consideração essa parte de dados do sistema ágil da cultura, como
é que ela começa a jogar esse jogo? Como é que parte isso?
José Salibi: Olha, na nossa opinião aqui é pela cultura da empresa, não é?
Se a cultura estiver desalinhada, não tem estratégia que dê certo hoje, não
tem tecnologia. Você pode ter a melhor tecnologia que não adianta nada.
Se você pega aí nos últimos 20 anos, olha o número de empresas que se
perderam pelo caminho. Kodak, Blockbuster, Polaroid, Circuit City, são
dezenas. Só no varejo são 20 mil por ano que estão indo embora. O
mercado ficou muito dinâmico. Há três anos e meio atrás, quando eu fui
agradecer o Jorge Paulo Lemman pelo gentil endosso que ele deu ao nosso
livro Gestão do Amanhã, e ele, naquele momento, ele me confidencia que
ele estava preocupado com o futuro da ABI, que é a mãe de todas as
empresas de cerveja. E nós fomos ver e vimos, ele pediu para a gente fazer
um diagnóstico da empresa, e ele tem lá os melhores players, os melhores
colaboradores, tem estratégia, domina o mercado, e como é que o valor da
empresa despenca? Como acontece isso? E nós vimos que a cultura da
empresa estava completamente desalinhada com o mundo que nós
vivemos, e falamos isso para ele. E aí você começa a ver a Ambev fazendo
movimentos drásticos em cultura e eles começaram pelo lado errado.
Quando você começa pela tecnologia, você já começa pelo lado errado.
Logicamente, você tem que acompanhar os movimentos tecnológicos, mas
junto com isso vem a cultura da empresa. A própria Microsoft que estava
embicando para baixo em 2014, o que salvou ela foi a cultura, a
transformação cultural que ela fez, usando uma metáfora do livro chamado
Mindset, onde separa as pessoas de mindset fixo, que são aquelas pessoas
que querem continuar fazendo a mesma coisa do jeito que sempre fizeram,
e aquelas pessoas de mindset em crescimento que estão sempre buscando,
então com isso ele teve que renovar o guarda-roupa deles. E mudança
cultural às vezes tem que mexer em gente, mexer em gente não é fácil e é
um processo que demora. Então o nosso conselho é: comece fazendo uma
auditoria da sua cultura para ver se ela está alinhada com o que o mundo
precisa hoje.
Marcelo Szuster: Normalmente, asempresastêmumaculturaquevemlá
do passado, que é com o foco só em eficiência e resultado, e deixa de ter a
dimensão do aprendizado, que você menciona no livro. A empresa tem que
passar a conviver nessas duas dimensões de forma equilibrada e trazer a
inovação de forma mais intrínseca para o negócio dela, e não uma inovação
que você tem que procurar fora, não é?
José Salibi: É. Cansei de ver na minha trajetória, eu visitava empresas para
falar da HSM e via lá de repente: “Aquele cara é o diretor de inovação”.
Inovação é todo mundo, tecnologia é todo mundo. A hora que você dá um
cargo para o cara de diretor de inovação parece que todo o resto da
empresa não tem que inovar, entendeu? Então a gente vive em mundo
muito mais dinâmico que vem com ingredientes tecnológicos cada vez
maiores, de repente, quando a gente achou que estava tudo mais tranquilo,
aparece um metaverso. Eu achei que já estava tudo dominado, aí aparece
um mundo novo de repente. Você fala:”Cara, o que eu vou fazer com
isso?”. Então se você não tiver uma cultura que absorva essas mudanças,
que absorva inovação, que experimente o novo, que tenha o cliente no
centro para estar na frente dele às vezes, para descobrir o que ele vai
querer na frente, se você não fizer isso, você morre. Por isso que a gente vê
tantas empresas que se perderam aqui no Brasil também, a gente viu o que
aconteceu com a Editora Abril e com as mídias todas, o que está
acontecendo, que ficaram com o mesmo modelo de negócios durante
muitos anos, e a gente tem que não só inovar em produtos, em serviços,
mas inovar em modelos de negócios. E você fazer ascoisasdeumamaneira
diferente, porque o ser humano está inclinado para a rotina, ele gosta de
rotina, e o mundo exponencial não tem, a rotina tem uma duração mais
curta, e ficar na ponta dos pés não é brincadeira não, não é para qualquer
um.
Vinícius Paiva: Esse ponto que você colocou, José Salibi, se eu entendi bem
até o jeito que vocês colocam a consultoria de como se fosse fazer uma
avaliação, um assessment da cultura do ponto que você colocou que tem
que ser intrínseco, tem até alguns autores que a gente cita de vez em
quando aqui no podcast que eles fazem uma analogia legal que é tipo assim:
a cultura é uma sombra de algo, ela não é algo por si só. Ela é um reflexo de
algo, e esse algo é a estrutura. Então para você mudar a estrutura, você tem
que mexer, muitas vezes radicalmente nas estruturas. Igual você falou, a
gente vê isso em vários clientes nossos, porque a gente tem clientes que
são de estruturas tradicionais, eles falam que vão fazer isso e aquilo, mas
você vai ver a estrutura, continua sendo departamento, continua sendo
enfileiramento, continua esse tipo de coisa. Você consegue pegar, até que
você tem essa comparação de Estados Unidos com aqui, você consegue
enxergar de fato as empresas daqui fazendo isso, e até se lá nos Estados
Unidos eles fazem? Você não é cético com relação a isso?
José Salibi: Então, realmente, a maioria das empresas que foram criadas ou
no mundo operacional ou no mundo voltado para a concorrência, elas têm
um mindset bem diferente. Inclusive a própria estrutura organizacional, a
própria estrutura física. Você viu o que aconteceu, a Apple construiu aquele
prédio de cinco bilhões de dólares, um prédio totalmente pensado em
colaboração, porque hoje, com a velocidade que você tem na economia, se
você não colabora o tempo todo, não tem mais. Aí você vê asempresas
tradicionais, elas estão debaixo de prédios verticais, onde você está no
primeiro andar e você tem que falar com um cara do vigésimo terceiro. Até
você chegar lá em cima, você já quebrou, não tem mais tempo. Então a
gente tem muitas estruturas físicas construídas do passado que não servem
mais. Agora, o que você vai fazer com todos esses milhares de prédios que
estão por aí? A gente vê o Mercado Livre com a Melicidade, um prédio
totalmente horizontal, colaborativo. As empresas precisam fazer. Como
você falou dos sistemas, elas precisam colocar agilidade para forçar que a
cultura mude. Aliás, sistemas ágeis forçam que asempresasmudema
cultura, então você tem todas essas metodologias, lean startup, agilidade,
business model orientation, strong, todos esses nomes aí. Daqui a pouco
vou explodir de tanto nome que tem. São metodologias válidas que fazem
com que as pessoas trabalhem de uma forma mais rápida, mais criativa, que
inovem mais rápido, e isso ajuda também na transformação da cultura. Mas
não são todos que absorvem, tem gente que quer trabalhar do mesmo jeito
que sempre trabalhou. Então a gente vive hoje em um mundo meio a meio,
entendeu? Por isso que tantas empresas se perdem pelo caminho, e o
número não para de crescer. A gente viu a própria AGE, no ano 2000, eu
trabalho com direct cloud, a empresa valia 600 bilhões de dólares. Hoje,
está lutando pela sobrevivência. Nada é para sempre, mas as
oportunidades que o mundo oferece hoje são enormes. E você tem algumas
empresas que entenderam, que são empresas que vieram do passado, mas
que entenderam e fizeram mudanças radicais. Ninguém gosta de fazer
mudança radical, você sabe disso. E Magazine Luiza, Magalu fez. Há seis
anos atrás, o Magalu valia 600 milhões, hoje vale mais de 180 bi. E o que
eles fizeram? Mudança de cultura, mudança de sistemas, a própria
Microsoft, a própria Disney. Algumas empresas, mas os cases são raros. É
isso que me preocupa ainda, são raros ainda.
Vinícius Paiva: São bem céticos ainda.
José Salibi: É, até para a nossa pesquisa achar um case de verdadeira
transformação digital é bem desafiador.
Marcelo Szuster: É, você acaba indo nas nativas digitais mesmo, acaba
sendo assim.
Vinícius Paiva: Como você tem essa credibilidade toda para endossar, estar
fazendo a consultoria lá, você chega e fala assim mesmo? Porque quando
eu falo isso da estrutura, por exemplo, alguma coisa que seria uma diretoria
tinha que passar a ser uma competência, igual você mesmo falou aí. Sei lá,
você pega o TI lá, talvez não deveria existir o diretor de TI, tinha que existir
quase como se fosse uma estrutura across que fizesse a curadoria de
tecnologia na empresa, mas na verdade você chega lá e fala:”Tem que
acabar com esses diretores”, os caras acabam.
José Salibi: Pois é, é verdade. Você falou tudo. Está certo.
Vinícius Paiva: Quando você dá essas sugestões, você vê o pessoal se
movimento, você fala, o pessoal ainda fica meio cético quando você está
fazendo a consultoria lá e sugere esses tipos de coisa. Você fala: “Essa
diretoria tem que acabar”. Isso de fato acontece?
José Salibi: Sim, acontece. O problema é que hoje tem muita gente perdida
nesse mundo, por isso que tantos empresários e empresárias, executivos
nos agradecem de a gente estar dando uma luz para eles, porque como eu
mencionei, a tecnologia evoluiu muito rapidamente e os sistemas de gestão
ficaram parados no tempo, entendeu? A própria maneira de como se lidera
uma empresa ficou parada no tempo. Então a gente tem procurado mostrar
que tem uma nova gestão vindo, que você tem que mexer na cultura, você
tem que mexer na liderança, tem que entender o cliente de uma outra
forma, você tem que entender a própria educação que mudou de uma
maneira muito grande. Os sistemas educacionais estão completamente
obsoletos aqui, no Brasil e no mundo inteiro. Então asempresasvãoterque
se mexer muito mais rápido para fazer com que seus colaboradores fiquem
atentos para esse mundo que nós vivemos, porque antes você mandava o
cara lá para uma grande universidade, faculdade, o cara voltava, fazia um
curso. Hoje não tem mais, você manda o cara para lá, ele volta pior do que
foi.
Marcelo Szuster: Mas é engraçado esse exemplo que você deu, é muito
mais angustiante hoje, era muito mais simples. Ou seja, tinham várias
receitas que você podia seguir, “Boto um cara para fazer MBA ali e pronto”,
faz não sei o quê, e hoje você não tem mais nada garantido.
José Salibi: Os próprios modelos de pensamento estratégico, eles duravam
muito tempo. O modelo das cinco forças do Michael Porter durou 25 anos.
Eu lembro que o Porter vinha dar aspalestraseelefalavaquaseasmesmas
coisas, alguns exemplos diferentes e tal. O balance,
aqueles modelos que eram criados pelo BCG e tal ficavam décadas, e esse
mundo de tecnologia acabou com toda essa disrupção, você precisa criar
novos modelos o tempo todo. E a própria academia acabou vivendo nessa
maneira de se sustentar em modelos que foram criados há muitos anos
atrás, então a gente vive em um mundo bastante dinâmico hoje, e o próprio
entendimento, uma das coisas que eu estou trabalhando agora é o
entendimento do tempo. Você tem lá, eu tenho até um gráfico, a tecnologia
dobra de capacidade a cada 18 meses. Isso faz com que você tenha um
crescimento composto nas mudanças. Na interpretação do tempo, essa
velocidade é completamente diferente. Por isso que você vê hoje empresas
como Magalu, Amazon tentando entregar em cinco minutos, porque a
gente vive em um mundo de satisfação instantânea do cliente. Hoje o cara
quer criar e ele quer ter o filme que ele quiser ter a hora que ele quer, na
frente dele com a maior qualidade. Acabou. Quem não andar nesse ritmo,
e o ser humano não está acostumado a mudar, por isso que está todo
mundo indo parar em psiquiatra hoje, a minha esposa é psiquiatra. O nível
de ansiedade que esse mundo está criando é muito grande, e a gente vai
ter que criar um sistema de educação que ajude aspessoasatransitarem
nesse mundo veloz. De novo, asmudançasnuncaforamtãorápidasenunca
mais serão tão lentas. Então se você não prepara a estrutura para isso, você
não vai conseguir acompanhar.
Marcelo Szuster: Você tocou em um tema interessante. A gente aqui no
podcast fez alguns episódios sobre estoicismo, sobre você ter uma certa
atitude e aceitar se você não encontrar uma porção de coisas e fazer aquilo
que você consegue. Acho que esse é um tema cada vez mais relevante
nesse mundo de hoje, porque você vê que é como se levassem a extremos
essa questão da dicotomia do controle, porque você realmente não tem
controle quase nenhum. Você não tem controle nem disso, se você mandar
um cara para a melhor universidade do mundo, se ele vai voltar melhor ou
pior. Você não tem controle nem disso.
José Salibi: Quando eu falo de estrutura, por exemplo, você pega a estrutura
dos escritórios. Ela foi feita para o mundo comando é controle. O cara lá de
cima, geralmente o CEO está no último andar, ele manda nos que estão
embaixo. A gente vê que o mundo hoje é colaborativo, você tem que ter o
sistema flat. A própria estrutura dos prédios já está errada, e tem tantas
outras coisas que são fatores limitantes para essa transformação, e as
empresas vão precisar. Eu calculo que vai ter muito prédio vazio logo logo,
as empresas vão ficar espertas, não vão poder trabalhar desse jeito, é
impossível. Eu lembro que a minha filha foi para um grande banco outro
dia, ela olhou para o banco e falou: “Pai, eu não sei se os caras que
trabalham aqui sabem o que estão fazendo”. É tão grande, é tão alto e feito
por portas, por andares. Então a própria estrutura tem que se ajustar.
Marcelo Szuster: É curioso. Acho que no futuro aspessoasrirãodisso
mesmo, tipo: “Você acredita que antigamente tinham os prédios, o chefe
ficava lá no trigésimo para mostrar que ele é o chefe, às vezes tinha até um
elevador só para ele, para ele chegar ali mais rápido”. Acho que alguém vai
rir disso mesmo no futuro, algum arqueólogo.
José Salibi: Eu não sei o que vai acontecer com os prédios. Eu vejo, na hora
que você entra no prédio da Apple, é impressionante, inclusive tem tours
virtuais. Fascinante, totalmente pensado em colaboração, aspessoas
interagirem, serem mais rápidas, responderem mais rápidas, trabalharem
juntas. Então se o sistema estrutural não permite isso, aí fica difícil. A
própria educação. O MBA sempre foi uma coisa importante no mundo, mas
era um mundo mais previsível. Nesse mundo digital não faz mais sentido
você ficar dois anos fazendo um MBA fora. Depois de dois anos, você volta,
não sei se você tem utilidade no mercado. Os MBAs estão tendo que se
reestruturar, mas com uma grande dificuldade, porque aspessoastêm
enorme dificuldade em abandonar o que funcionou. Enorme dificuldade de
se desfazer do passado. Como diz o Peter Drucker, a gente ensina as
pessoas como fazer, mas não como parar de fazer. Então esse é um fator
bem limitante.
Marcelo Szuster: Essa frase é muito boa.
Vinícius Paiva: É legal daqui uns tempos o pessoal vai ver o currículo – daqui
uns tempos, não, talvez agora: “Nossa, esse cara aqui fez um MBA em 2020.
Ele não entendeu ainda”. Um MBA de dois anos.
José Salibi: Eu diria que o MBA é importante, mas eu acho que ele vai ter
que ser em um ano no máximo. Vai ser um intenso ano voltado para o
mercado, e a gente está vendo nos Estados Unidos, por exemplo, asgrandes
universidades, asgrandesmesmoconseguemsobreviverhojecomseus
MBAs. Harvard, Stanford. Estão lá, são as melhores e vão estar sempre lá,
mas as escolas estaduais, por exemplo, não conseguem mais ter turma. Até
a universidade do Estado do Arizona onde a minha filha estudou dá o MBA
de graça para os alunos, para quem conseguir entrar, porque eles acham
que é um custo muito grande para você ficar tão longe do mercado por
tanto tempo. Só que a educação é o último setor a ser mudado. Depois que
o mundo inteiro mudou, a educação vai começar a pensar em mudar. Esse
é o problema. É por isso que asempresasvãoterquesercadavezmais
escolas hoje, vão ter que desenvolver cada vez mais seus colaboradores,
porque você não consegue esperar que de fora alguma coisa aconteça.
Marcelo Szuster: Não, no livro você mostra que a academia mudou muito
para mudar a formação estratégica, adotar certas ideias. Uma curiosidade,
você, nessa trajetória, você chegou a ter contato com o Mintzberg? Porque
é um que falava muito sobre estratégias emergentes e também criticava
um pouco esse estudo tradicional, não é?
José Salibi: Com certeza, eu trouxe o Mintzberg para falar em um evento na
HSM, um cara muito, o pensamento dele já era bem ao contrário do que
normalmente se fazia através das descobertas, do critical MBA
completamente. E ele já criticava pesadamente os MBAs, como eram feitos.
Mas sim eu trabalhei com ele em um grande evento aqui em São Paulo.
Marcelo Szuster: Ele é um autor que eu gosto muito. Excelente.
Infelizmente, nós já estamos passando do nosso tempo aqui. Eu sempre
gosto de fazer uma mini síntese, então espero que o nosso ouvinte tenha
percebido a importância de, lá no nível estratégico, no nível da formulação
estratégica, a empresa entender que nesse mundo extremamente
dinâmico, você passa a realmente ter que ser completamente centrado no
consumidor e que isso tem consequências na forma em que você se
organiza, investe na sua cultura, nos seus sistemas de decisão que agora
têm que ser muito mais ágeis, sistemas ágeis, você tem que tirar muito
proveito das informações, dos dados que são gerados. É como se fosse uma
formulação básica. E acabou que a gente não abordou isso, mas eu achei
superinteressante como isso acaba sendo habilitador para um passo
seguinte, que é muitas empresas até se transformarem em plataformas de
negócios, porque a partir do momento em que você cria, é quase que
necessário, não é suficiente, mas é necessário para você começar a pensar
o seu negócio em uma plataforma.
José Salibi: É, a gente tem exemplos bacanas aí. A gente tem o próprio
exemplo aqui da Folha de São Paulo, que conseguiu transformar um jornal
em um portal e em uma plataforma financeira, de produtos e serviços
financeiros, banco e pagamento, essas coisas todas, enquanto asoutras
continuam melhorando o que sempre fizeram. Esse é o grande perigo, você
tentar melhorar o que você sempre fez. Cara, não tem coisa mais perigosa
do que isso.
Marcelo Szuster: É, e é o caminho mais fácil. Salibi, muito obrigado, foi um
prazer tê-lo aqui nesse episódio. Tenho certeza que o pessoal vai gostar
muito.
Vinícius Paiva: Demais, foi muito bacana o papo.
José Salibi: Parabéns pela empresa, pelo podcast. Eu sempre gosto de trocar
minhas ideias. Às vezes eu sou um pouco desbocado para falar, mas no
mundo de hoje, se a gente não der um chacoalhão, o pessoal continua
parado no tempo.
Marcelo Szuster: Exatamente, é necessário.
José Salibi: Todo mundo sabe agora, tem que colocar o cliente em primeiro
lugar. Mas se você vem com processos velhos que sustentam isso, a coisa
não acontece, entendeu? Se você vem com pensamento voltado para
eliminar a concorrência, você vai gastar toda a sua energia eliminando a
concorrência e pouco tempo criando valor para o cliente. E aí entra um
conjunto de coisas de que nós falamos, estratégias adaptativas, que são os
ingredientes para fazer isso acontecer.
Marcelo Szuster: Bom dia, boa tarde, boa noite. Vamos começar mais um
episódio dos Agilistas, estou aqui sempre com o Vinição. E aí, Vinição, tudo
joia?
Vinícius Paiva: E aí, pessoal. Tudo bem? Vamos lá.
Marcelo Szuster: E hoje a gente vai ter, eu já vou apresentar o nosso
convidado, eu acho que vai ser uma surpresa muito grata para os nossos
ouvintes, porque nós estamos trazendo uma pessoa muito especial que vai
tratar de um tema que é extremamente relevante para tudo que a gente
fala aqui nesse podcast Agilistas e sempre tem a ver com a transformação
organizacional , e a gente sempre salienta muito que essa transformação,
apesar de ser drivada pela tecnologia, está sendo causada pela tecnologia,
é uma transformação de uma natureza muito mais humana e
organizacional. E é interessante porque nós vamos falar sobre um livro aqui,
e esse livro vem abordar justamente o que eu acho que é um gap mesmo
que existe nas empresas, que é compor uma nova visão estratégica de
como atuar. E aí essa transformação sempre traz uma consequência nessa
nova visão estratégica. A gente sempre fala que quer fazer transformação,
que ela tem que ser top down e bottom up, mas a gente faz um esforço
bottom up enorme e falta lá o esforço do top, então nós vamos conversar
aqui com o José Salibi Neto, que é autor do livro Estratégia Adaptativa,
cofundador da HSM. José Salibi, é um grande prazer te receber. Se você
puder se apresentar também seria muito bacana.
José Salibi: Bom, eu comecei minha carreira aos 26 anos, comecei a minha
carreira HSM aos 26 anos, depois de ter passado uma boa temporada nos
Estados Unidos com o objetivo de trazer o melhor do pensamento gerencial
para o Brasil através dos grandes gurus da gestão. A empresa se
desenvolveu, ela acabou indo para a Argentina, para o México, para a
Espanha, para a Itália e para os Estados Unidos, e fiquei 30 anos na empresa
trabalhando com todos os principais pensadores da gestão, sem exceção.
Trabalhei com todos, literalmente. Desde o Jack Welch até o Peter Drucker,
até o Peter Diamandis, de Peter a Peter. Depois de 30 anos na empresa,
achei que já estava na hora de fazer algum outro movimento, de estar no
mercado da educação que é a minha paixão, educação executiva, mas não
daquele jeito que eu estava, fazendo grandes eventos; achei que estava na
hora de sair, já tinha vendido minhas ações. Eu saio da empresa e
imediatamente começo a trabalhar em um livro chamado Gestão do
Amanhã com o Sandro Magaldi, que é o meu grande parceiro, trabalhou
comigo dez anos na HSM, escreveu nosso primeiro livro chamado Movidos
por Ideias, e começamos a conversar sobre como a tecnologia evoluiu
nesses últimos 20 anos e como a gestão não evoluiu, o pensamento de
gestão ficou parado no tempo, ele não acompanhou o desenvolvimento da
tecnologia. Por isso que a gente vê tantas besteiras, eu vejo essas empresas
ligando, botando robôs para infernizar nossa vida. Quer dizer, eles têm
robô, têm inteligência artificial, e ao mesmo tempo ficam perturbando o
cliente. Então existe uma desconexão entre o cliente e empresas que têm
a tecnologia, mas não sabem exatamente usá-la. Então essa tem sido a
razão da nossa vida, nós escrevemos o Gestão do Amanhã, que é o livro
mais vendido de gestão do Brasil atualmente, já passamos 70 mil cópias
vendidas, o Novo Código da Cultura, o Estratégia Adaptativa e, mais
recentemente, Estudos de Caso Gestão do Amanhã. Nós pegamos seis cases
de empresa, três que vieram do mundo analógico e se transformaram, e
três que nasceram no mundo digital, e procuramos ver o que elas têm em
comum. Então ficou um livro bem legal. Tem outros livros também,
Algoritmo da Vitória, O Que as Escolas de Negócio não Ensinam, mas o
principal do meu trabalho está em cima dessa trilha de exponencial, agora
com a adição do Estudos de Caso: Gestão do Amanhã. Então tem sido a
nossa razão de viver, a gente tem procurado trazer. Acho que o público está
aceitando muito bem porque o retorno que a gente tem tido é muito
grande através de convite de palestras, nossas imersões, das vendas dos
nossos livros. Sabem que vida de autor no Brasil não é fácil, porque toda a
cadeia está meio desmantelada, mas mesmo assim a gente consegue ter
um sucesso bastante grande. Então é isso que eu quero fazer de agora até
os meus últimos dias, procurar contribuir. No fundo, eu passei a minha vida
inteira contribuindo através de outros, e agora chegou a minha vez. Foram
30 anos de trabalho duro com os grandes nomes, de muito estudo, então
eu fui treinado de uma forma informal, e depois que eu saio da HSM tudo
começa a fazer sentido para mim, das coisas que não mudaram, tem muita
coisa que vale ainda, mas tem muita coisa que não vale. Em resumo, é isso
que eu estou fazendo.
Marcelo Szuster: Eu queria começar fazendo uma pergunta que é assim:
você obviamente tem uma visão bastante privilegiada ao longo dos anos de
lidar com todos esses pensadores. O livro começa justamente fazendo um
resumo da história da estratégia, de como o pensamento estratégico
evoluiu, de como ele é recente, até muito mais recente do que eu
imaginava. Eu acho interessante. Se você pudesse fazer um breve resumo
desse resumo e principalmente à luz do seguinte: por que que a despeito,
até colocado na introdução do livro, a despeito da pandemia que está
gritando, ou seja, se já era óbvio que a gente tinha que mudar, se já tem
muitos anos. Você tem eventos que vão tornando isso cada vez mais óbvio,
mas a despeito disso, a liderança continua muito tradicional, a forma de
orçar tradicional, a cultura, tudo. Por que é tão difícil?
José Salibi: Bom, falando dos 200 anos de estratégias, nós adoramos
timelines. A gente consegue, através de uma timeline, desde o começo da
empresa, ou do começo da empresa ou do começo de alguma prática, no
caso, estratégia, a gente consegue ter um entendimento muito claro de
para onde ela está indo. Porque se você pega do nada, você não sabe de
onde ela vem, e se você não sabe de onde as coisas vieram, você não vai
saber para onde elas vão. Então eu aprendi isso muito com o Peter Drucker,
eu convivi e trabalhei com ele por 14 anos e toda vez que eu fazia uma
pergunta para ele sobre o futuro, ele me respondia com algum exemplo do
passado. E às vezes ele andava 200, 300 anos para trás. Uma vez eu não me
contive, eu tive que perguntar: “Poxa, Peter, a gente está aqui falando do
futuro, você me fala da Revolução Francesa”. Ele falou: “José, se você não
entender muito bem o passado, você não vai saber o que pode acontecer
no futuro”. Então isso tem dirigido tudo o que nós fazemos, inclusive no
nosso livre Estudo de Caso: Gestão do Amanhã, nós pegamos seis empresas
e contamos na timeline desde o começo da empresa, com os movimentos
principais. E nessa questão de mudança, que é tão difícil mudar, resumindo
o Estratégia Adaptativa, a gente divide o pensamento estratégico em três
grandes blocos. O primeiro bloco é o que a gente chama de Eficiência
operacional, que vai desde a Primeira Revolução Industrial até o final dos
anos 70. Era uma época de pouca concorrência, quem fizesse alguma
atividade bem, um produto ou serviço, tinha muito sucesso, você tinha
mercados fechados, e tudo funcionava bem. As empresas basicamente
quebravam por deixarem de fazer bem as coisas. A partir dos anos 80, nós
tivemos aí o advento da globalização, os mercados começam a se abrir, os
produtos japoneses começam a invadir os Estados Unidos em memory
chips, em carros eletrônicos, e a gente começa a ver um novo cenário
voltado para a concorrência, onde o foco da estratégia é a concorrência, é
ver o que que a concorrência está fazendo e tentar fazer melhor do que ela
ou eliminá-la. E aí todos os movimentos de gestão, e isso foi protagonizado
pelo professor Michael Porter, que entendeu esse novo ambiente,
começou a escrever livros focados em competitividade, competição,
mostrando quais seriam as estratégias, inclusive fazendo muitas analogias
militares, de flanco, de você atacar o concorrente. E nessa altura, sim, as
empresas acabavam com seu foco estratégico ou para eliminar o seu
concorrente ou para comprar seu concorrente para ter o cliente na mão. A
gente viu os bancos abrindo milhares de agências, pelo Brasil era
praticamente impossível você pensar em entrar no mercado bancário. E aí
você vê o Nubank hoje, tem mais de 40 milhões de clientes e não tem uma
única agência. E aí o que aconteceu? Como você falou, eu tive essa visão
privilegiada, eu realmente tive, da gestão através dos anos, e a gente viu, a
partir dos anos 2000, a tecnologia – eu coloco a data de 2000 porque foi o
ano da bolha, onde todo mundo achou que a tecnologia não era tudo isso.
Mal sabiam aspessoasqueatecnologiaestavaapenascomeçando. Houve
uma explosão de rapidez pela Lei de Moore, que dobra de capacidade a
cada 18 meses e o custo fica igual, então o mundo começa a pegar uma
outra tração, e a gente começa a ver empresas, por exemplo, como a Apple
no mercado de músicas através do iPod. Então como é que pode isso, o que
a Apple tinha a ver com mercado de música? A gente percebe que essa
explosão da tecnologia derrubou barreiras de entrada em vários mercados,
e cada vez mais derruba. Hoje você pega, por exemplo, o mercado
automotivo, e o grande disruptor foi o Uber. Não tinha nada a ver com
montadoras, a Uber não fabrica carros, mas através de um novo modelo de
negócios, eles causaram uma ruptura na indústria automotiva. Então a
gente começa a ver que agora a única maneira, com o crescimento da
tecnologia, e a gente pode associar o crescimento da tecnologia ao ritmo
das mudanças, inclusive eu vi uma frase ontem do primeiro ministro do
Canadá, ele falou o seguinte:”As mudanças nunca foram tão rápidas e
nunca mais serão tão lentas”. Entendeu?
Marcelo Szuster: Vai acelerar mais, não é?
José Salibi: É verdade, nunca mais serão tão lentas. Aproveita agora, porque
se você não aproveitar, a velocidade vai te engolir. E nesse mundo dirigido
pela tecnologia, a única maneira de você ficar competitivo é ter o cliente no
centro. É importante saber o que a concorrência está fazendo, mas eu não
canso de ouvir de empresas inclusive coo o Nubank que o foco deles é o
cliente. Eles não estão preocupados se o Itaú está fazendo algum serviço,
se o Bradesco está oferecendo uma taxa menor. Eles estão fazendo o que
eles acham que é bom para o cliente. Então o que acontece? As empresas
estabelecidas vieram todas de uma época de um mindset onde o foco era
a concorrência, e para mudar esse mindset – toda a estrutura da empresa,
todos os processos, tudo era uma função do concorrente – e para mudar
todo esse arsenal de coisas, é muito difícil. Demora muito. E com relação a
mudança, você tem que mudar a cultura da empresa, coisa que nunca
ninguém pensava. A cultura da empresa era uma coisa dada, que ficava lá
durante vários anos, e de repente, aquela famosa frase do Peter Drucker,
que é a cultura como estratégia no café da manhã, a gente percebe que
virou isso. Quer dizer, você tem um mundo completamente diferente, todo
mundo vai lá, foca na estratégia, mas não foca na cultura, então eles não
conseguem fazer. Você pode ter a melhor das estratégias, mas se você não
tiver uma cultura que a sustenta, você não vai fazer mudança nenhuma. Por
isso que a gente vê que mais de 80% dos projetos de transformação digital
não dão certo, porque eles focam muito na tecnologia e pouco na cultura
da empresa, exatamente o que eu estava falando aqui desses robôs nos
infernizando a vida, ligando. Eu até procuro ouvir para anotar o nome da
empresa que está fazendo isso.
Marcelo Szuster: É interessante o que você diz, porque se eu estou
entendendo bem, você fala o seguinte: houve uma mudança do eixo para
que você tenha que ser de fato customer centric. Ou seja, não basta nem
você fazer bem o que você já faz, ou simplesmente olhar para o competidor
e ser mais eficiente do que ele, porque nessas abordagens sempre havia
uma visão mais estática do jogo estratégico, você podia mais ou menos
perseverar ou ficar melhor no que você fazia e pronto. Quando você coloca
o cliente no centro, tem até um autor que eu gosto, eu sempre me esqueço
do nome dele, é um cara que escreve na Forbes e tem um livro que chama
The Age of Agile, eu sempre gosto de citar.
José Salibi: Steve Denning.
Marcelo Szuster: Steve Denning, é. Ele fala que essa mudança, que talvez
essa seja a explicação de porquê seja tão difícil, ele faz uma analogia falando
que botar o cliente no centro do universo é igual quando o Copérnico
colocou o céu no centro do universo. Não é só agora, uma informação nova:
“Não é mais a Terra, agora é o Sol”; não, os modelos físicos mudaram, o
entendimento do universo mudou, o entendimento do ser humano mudou.
Então me parece que quando você está realmente colocando o cliente no
centro do seu universo, isso tem implicações muito mais profundas do que
inicialmente as empresas podem pensar, não é?
José Salibi: Verdade. Não adianta você, todo mundo sabe agora que tem
que colocar o cliente em primeiro lugar, mas se você vem com processos
velhos que sustentam isso, a coisa não acontece, entendeu? Se você vem
com o pensamento voltado para eliminar a concorrência, você vai gastar
toda a sua energia eliminando a concorrência e pouco tempo criando valor
para o cliente. E aí entra um conjunto de coisas de que nós falamos,
estratégias adaptativas, que são os ingredientes para fazer isso acontecer,
que são dados, o mundo voltado para a tecnologia produz uma quantidade
enorme de dados, e através desses dados você tem insights para criar
produtos e serviços inovadores, você tem sistemas ágeis, porque hoje com
essa velocidade que nós estamos vivendo é impossível você ter empresas
verticais. Hoje, as empresas são cada vez mais horizontais, você sabe disso,
é um expert em agilidade, e a cultura, que ninguém falava. Às vezes as
empresas iam lá, faziam toda a mudança, mas a cultura ficava a mesma,
então as pessoas continuavam com um comportamento antigo, e a gente
percebe, e mudança de cultura não é brincadeira, porque é muito mais fácil
você mudar a tecnologia do que mudar a cultura de uma empresa.
Tecnologia você vai lá e compra, na cultura você tem que mudar crenças,
comportamentos, pressupostos, artefatos, você tem que mudar um monte
de coisa. Isso é extremamente complicado e extremamente mal feito, por
isso que nós escrevemos o livro O Novo Código da Cultura, para mostrar
isso; sem você mudar sua cultura para virar uma cultura customer centric,
todo o resto que você está fazendo não vai funcionar, inclusive a própria
tecnologia.
Vinícius Paiva: É interessante esse ponto, você até coloca, eu já vi algumas
palestras suas gravadas no YouTube, os fatores que você coloca lá dessa
questão de o cliente no centro, a gente ter inovação contínua, eu vou fazer
uma pergunta fazendo quase o papel do advogado do diabo, porque a
gente também fala muito disso aqui, mas eu queria ter uma visão diferente,
uma visão externa. Esse ponto de você ficar totalmente customer centric,
só fazendo sensitive sponsor e reagindo ao que ele está pedindo ali, não
pode você acabar não tendo muita estratégia, só seguindo o que está sendo
demandado, sem voltar para uma direção que não é o próximo adjacente,
dar um salto.
Marcelo Szuster: Vinição, e a história do foco, não é? Porque se confunde
um pouco com aquela recomendação de ter foco, não é? Tipo, a Apple foi
vender música. Se desse errado, talvez alguém falasse que foi falta de foco,
não é?
Vinícius Paiva: É, perder meio que a identidade. Você vai adaptando tanto
ali ao que está vindo de cliente, e você? O que você acha?
José Salibi: Aí que a gente vem com o modelo da estratégia adaptativa, que
o modelo tradicional de estratégia, e eu trabalhei com o professor Michael
Porter durante 25 anos e ele não cansava de falar que o objetivo da
empresa era criar sustainable competitive advantage, a vantagem
competitiva sustentável, que é aquela vantagem que ia sustentar você por
muitos anos, e a gente sabe que não acontece isso. Então não é que a gente
deixa de ter uma estratégia, a gente tem uma estratégia, mas a gente tem
que ficar sintonizado com o que acontece no mercado para montar essa
estratégia. E ela tem que ser adaptativa porque ela muda. O tempo de vida
de um produto ou serviço hoje é infinitamente menor do que era há poucos
anos atrás, então a gente vê que não é que você não tem que ter uma
estratégia; sim, você tem que ter uma estratégia, só que ela tem que ser
mais dinâmica, ela tem que ser mais rápida, ela tem que ser adaptada ao
mercado. E fica muito naquele mundo em que você vivia das grandes
competências essenciais; hoje, as competências essências, você tem que
criar novas e novas competências essenciais o tempo inteiro. Você vê o
Nubank que inovou tanto, e agora cria o Marketplace. Como é que você
explica isso? Na verdade, você não tem uma estratégia. Você tem uma
estratégia de mais curta duração. E depois você tem o propósito da
empresa, porque você está lá. Então estratégia, propósito, cultura,
agilidade, dados, eles andam juntos, na minha opinião.
Vinícius Paiva: Legal. Aí entrando em mais um outro ponto que você trouxe
que é legal, que você traz essas três grandes fases, primeiro essa fase da
otimização, depois da globalização e concorrência, e agora essa fase de um
certo nível de aceleração tecnológica e muda o jogo com uma frequência
muito alta; igual você falou, a estratégia tem que ser renovada o tempo
todo, agora, tem um outro ponto que tem acontecido cada vez mais que é
assim: será que a gente não vai acabar voltando para uma era de monopólio
que tinha antes, de empresas muito grandes comprando outras e acaba que
você tem que voltar quase que para a sua estratégia inicial lá, porque na
prática você não tem tanta competição assim? Hoje em dia, o Guga pode
comprar uma cidade inteira. Como é que fica isso? A gente fala dessa
questão da concorrência, mas dá para ter concorrência mesmo, de
verdade?
José Salibi: Eu acredito que sim, eu acho que sim. Nós temos empresas que
estão pegando uma proporção enorme, eu nunca imaginei que uma
empresa fosse valer mais de um trilhão de dólares. A Microsoft vale 2.5
trilhões, então o crescimento das empresas de tecnologia que enxergaram
esse movimento lá atrás é muito grande. Por outro lado, nunca houve na
história da humanidade uma oportunidade para empreendedorismo como
existe hoje. Hoje as barreiras estão derrubadas, ineficiências, ainda mais no
Brasil, um país com muitas ineficiências, apresentam oportunidades
gigantescas de empreendedorismo; hoje você, para empreender é bem
diferente de quando eu empreendi lá em 86, eu considero que eu fui um
milagre, eu escapei, até hoje não entendo como eu escapei de tantos
ataques governamentais. Eu passei por dois confiscos na minha vida
profissional, você não tem ideia. Vocês são mais jovens, vocês não têm ideia
do que é isso, passar por um confisco do governo, o governo vai lá e pega
teu dinheiro. Passei por isso no Brasil e na Argentina.
Marcelo Szuster: É para ficar bem bravo.
José Salibi: O mundo tem outra cara agora. A gente viva na era das ideias,
de você ver o que está acontecendo no mercado e criar soluções, foi o que
o Nubank fez. A hora que o Davi Vélez foi abrir uma conta, ele se sentiu
como um presidiário literalmente quando ele entrou em uma agência. Ele
falou assim: “Não é possível que não tem um outro jeito de fazer as coisas”.
Então eu vejo, hoje eu estava no Cubo, o nível de empreendedorismo que
tem hoje no mundo digital é muito grande. Easempresasgrandessempre
estiveram aí, os grandes monopólios, se é que se pode chamar de
monopólios, sempre estiveram por aí. AGE já foi uma delas, enfim, nós
tivemos outros casos de grandes monopólios. Eles vão durar para sempre?
A gente não sabe, o mundo está mudando constantemente e alguém pode
desenvolver um outro algoritmo melhor do que o Google. A gente vive em
um mundo muito borbulhante hoje. Não acredito que o mundo vai ser
dominado pelo Google, pela Microsoft, pela Amazon. São empresas fortes,
como sempre tiveram empresas fortes e sempre vão ter. É lógico, você tem
casos que a hora que a empresa realmente começa a dominar o mercado,
você tem interferência governamental, e já tiveram alguns casos que
forçaram empresas a se dividiram. E aí você pega, por exemplo, a AGE agora
está dividida, porque cresceu tanto que perdeu controle do seu
crescimento, então ser muito grande às vezes é muito perigoso também, a
gente sabe disso. O tombo é bem maior.
Vinícius Paiva: Chama muita atenção também.
José Salibi: Chama muita atenção e todo mundo quer. Mas o nível de
empreendedorismo que eu vejo hoje, ainda mais agora que você não tem
que comprar tecnologia, você pode acessar via nuvem, via cloud computer,
então qualquer empresa, qualquer jovem com uma boa ideia, do jeito que
eu vejo os jovens hoje, puta, eu vejo os jovens hoje querendo criar uma
startup, querendo trabalhar com inovação. Eles não querem mais aquele
mundo em que eu comecei que era o mundo de fazer carreira em grandes
empresas. As empresas grandes vão ter que se mexer, porque elas estão
perdendo talento após talento. Então é mais ou menos essa a minha visão.
Marcelo Szuster: Até no livro você cita isso, pega o próprio Spotify. Ele
apareceu para dominar esse mercado de música e tinham outros
candidatos aí. É interessante isso. Ou seja, podia ter sido o próprio Google
que podia ter dominado isso, ou a Apple. Então realmente é muito
dinâmico, tem muitos espaços. Uma coisa que eu queria explorar é uma
pergunta muito recorrente, eu tenho certeza que os ouvintes sempre
pensam nisso. Como é que você faz para empresas mais tradicionais,
porque os exemplos são muito de empresas que já são mais digitais, e é o
que eu sempre digo, eu gosto de falar para os céticos; como é que você faz
para começar a mover uma empresa tradicional nessa direção, sendo que
as empresas estão acostumadas a contratar, igual você disse, o ser humano
adora um pensamento mágico, simplesmente contratar alguma coisa em
vez de queimar a pestana para fazer o negócio acontecer, então como é
que uma empresa dessas começa? Quando você diz que é uma estratégia
adaptativa, ela tem que primeiro claramente formular uma estratégia que
leve em consideração essa parte de dados do sistema ágil da cultura, como
é que ela começa a jogar esse jogo? Como é que parte isso?
José Salibi: Olha, na nossa opinião aqui é pela cultura da empresa, não é?
Se a cultura estiver desalinhada, não tem estratégia que dê certo hoje, não
tem tecnologia. Você pode ter a melhor tecnologia que não adianta nada.
Se você pega aí nos últimos 20 anos, olha o número de empresas que se
perderam pelo caminho. Kodak, Blockbuster, Polaroid, Circuit City, são
dezenas. Só no varejo são 20 mil por ano que estão indo embora. O
mercado ficou muito dinâmico. Há três anos e meio atrás, quando eu fui
agradecer o Jorge Paulo Lemman pelo gentil endosso que ele deu ao nosso
livro Gestão do Amanhã, e ele, naquele momento, ele me confidencia que
ele estava preocupado com o futuro da ABI, que é a mãe de todas as
empresas de cerveja. E nós fomos ver e vimos, ele pediu para a gente fazer
um diagnóstico da empresa, e ele tem lá os melhores players, os melhores
colaboradores, tem estratégia, domina o mercado, e como é que o valor da
empresa despenca? Como acontece isso? E nós vimos que a cultura da
empresa estava completamente desalinhada com o mundo que nós
vivemos, e falamos isso para ele. E aí você começa a ver a Ambev fazendo
movimentos drásticos em cultura e eles começaram pelo lado errado.
Quando você começa pela tecnologia, você já começa pelo lado errado.
Logicamente, você tem que acompanhar os movimentos tecnológicos, mas
junto com isso vem a cultura da empresa. A própria Microsoft que estava
embicando para baixo em 2014, o que salvou ela foi a cultura, a
transformação cultural que ela fez, usando uma metáfora do livro chamado
Mindset, onde separa as pessoas de mindset fixo, que são aquelas pessoas
que querem continuar fazendo a mesma coisa do jeito que sempre fizeram,
e aquelas pessoas de mindset em crescimento que estão sempre buscando,
então com isso ele teve que renovar o guarda-roupa deles. E mudança
cultural às vezes tem que mexer em gente, mexer em gente não é fácil e é
um processo que demora. Então o nosso conselho é: comece fazendo uma
auditoria da sua cultura para ver se ela está alinhada com o que o mundo
precisa hoje.
Marcelo Szuster: Normalmente, asempresastêmumaculturaquevemlá
do passado, que é com o foco só em eficiência e resultado, e deixa de ter a
dimensão do aprendizado, que você menciona no livro. A empresa tem que
passar a conviver nessas duas dimensões de forma equilibrada e trazer a
inovação de forma mais intrínseca para o negócio dela, e não uma inovação
que você tem que procurar fora, não é?
José Salibi: É. Cansei de ver na minha trajetória, eu visitava empresas para
falar da HSM e via lá de repente: “Aquele cara é o diretor de inovação”.
Inovação é todo mundo, tecnologia é todo mundo. A hora que você dá um
cargo para o cara de diretor de inovação parece que todo o resto da
empresa não tem que inovar, entendeu? Então a gente vive em mundo
muito mais dinâmico que vem com ingredientes tecnológicos cada vez
maiores, de repente, quando a gente achou que estava tudo mais tranquilo,
aparece um metaverso. Eu achei que já estava tudo dominado, aí aparece
um mundo novo de repente. Você fala:”Cara, o que eu vou fazer com
isso?”. Então se você não tiver uma cultura que absorva essas mudanças,
que absorva inovação, que experimente o novo, que tenha o cliente no
centro para estar na frente dele às vezes, para descobrir o que ele vai
querer na frente, se você não fizer isso, você morre. Por isso que a gente vê
tantas empresas que se perderam aqui no Brasil também, a gente viu o que
aconteceu com a Editora Abril e com as mídias todas, o que está
acontecendo, que ficaram com o mesmo modelo de negócios durante
muitos anos, e a gente tem que não só inovar em produtos, em serviços,
mas inovar em modelos de negócios. E você fazer ascoisasdeumamaneira
diferente, porque o ser humano está inclinado para a rotina, ele gosta de
rotina, e o mundo exponencial não tem, a rotina tem uma duração mais
curta, e ficar na ponta dos pés não é brincadeira não, não é para qualquer
um.
Vinícius Paiva: Esse ponto que você colocou, José Salibi, se eu entendi bem
até o jeito que vocês colocam a consultoria de como se fosse fazer uma
avaliação, um assessment da cultura do ponto que você colocou que tem
que ser intrínseco, tem até alguns autores que a gente cita de vez em
quando aqui no podcast que eles fazem uma analogia legal que é tipo assim:
a cultura é uma sombra de algo, ela não é algo por si só. Ela é um reflexo de
algo, e esse algo é a estrutura. Então para você mudar a estrutura, você tem
que mexer, muitas vezes radicalmente nas estruturas. Igual você falou, a
gente vê isso em vários clientes nossos, porque a gente tem clientes que
são de estruturas tradicionais, eles falam que vão fazer isso e aquilo, mas
você vai ver a estrutura, continua sendo departamento, continua sendo
enfileiramento, continua esse tipo de coisa. Você consegue pegar, até que
você tem essa comparação de Estados Unidos com aqui, você consegue
enxergar de fato as empresas daqui fazendo isso, e até se lá nos Estados
Unidos eles fazem? Você não é cético com relação a isso?
José Salibi: Então, realmente, a maioria das empresas que foram criadas ou
no mundo operacional ou no mundo voltado para a concorrência, elas têm
um mindset bem diferente. Inclusive a própria estrutura organizacional, a
própria estrutura física. Você viu o que aconteceu, a Apple construiu aquele
prédio de cinco bilhões de dólares, um prédio totalmente pensado em
colaboração, porque hoje, com a velocidade que você tem na economia, se
você não colabora o tempo todo, não tem mais. Aí você vê asempresas
tradicionais, elas estão debaixo de prédios verticais, onde você está no
primeiro andar e você tem que falar com um cara do vigésimo terceiro. Até
você chegar lá em cima, você já quebrou, não tem mais tempo. Então a
gente tem muitas estruturas físicas construídas do passado que não servem
mais. Agora, o que você vai fazer com todos esses milhares de prédios que
estão por aí? A gente vê o Mercado Livre com a Melicidade, um prédio
totalmente horizontal, colaborativo. As empresas precisam fazer. Como
você falou dos sistemas, elas precisam colocar agilidade para forçar que a
cultura mude. Aliás, sistemas ágeis forçam que asempresasmudema
cultura, então você tem todas essas metodologias, lean startup, agilidade,
business model orientation, strong, todos esses nomes aí. Daqui a pouco
vou explodir de tanto nome que tem. São metodologias válidas que fazem
com que as pessoas trabalhem de uma forma mais rápida, mais criativa, que
inovem mais rápido, e isso ajuda também na transformação da cultura. Mas
não são todos que absorvem, tem gente que quer trabalhar do mesmo jeito
que sempre trabalhou. Então a gente vive hoje em um mundo meio a meio,
entendeu? Por isso que tantas empresas se perdem pelo caminho, e o
número não para de crescer. A gente viu a própria AGE, no ano 2000, eu
trabalho com direct cloud, a empresa valia 600 bilhões de dólares. Hoje,
está lutando pela sobrevivência. Nada é para sempre, mas as
oportunidades que o mundo oferece hoje são enormes. E você tem algumas
empresas que entenderam, que são empresas que vieram do passado, mas
que entenderam e fizeram mudanças radicais. Ninguém gosta de fazer
mudança radical, você sabe disso. E Magazine Luiza, Magalu fez. Há seis
anos atrás, o Magalu valia 600 milhões, hoje vale mais de 180 bi. E o que
eles fizeram? Mudança de cultura, mudança de sistemas, a própria
Microsoft, a própria Disney. Algumas empresas, mas os cases são raros. É
isso que me preocupa ainda, são raros ainda.
Vinícius Paiva: São bem céticos ainda.
José Salibi: É, até para a nossa pesquisa achar um case de verdadeira
transformação digital é bem desafiador.
Marcelo Szuster: É, você acaba indo nas nativas digitais mesmo, acaba
sendo assim.
Vinícius Paiva: Como você tem essa credibilidade toda para endossar, estar
fazendo a consultoria lá, você chega e fala assim mesmo? Porque quando
eu falo isso da estrutura, por exemplo, alguma coisa que seria uma diretoria
tinha que passar a ser uma competência, igual você mesmo falou aí. Sei lá,
você pega o TI lá, talvez não deveria existir o diretor de TI, tinha que existir
quase como se fosse uma estrutura across que fizesse a curadoria de
tecnologia na empresa, mas na verdade você chega lá e fala:”Tem que
acabar com esses diretores”, os caras acabam.
José Salibi: Pois é, é verdade. Você falou tudo. Está certo.
Vinícius Paiva: Quando você dá essas sugestões, você vê o pessoal se
movimento, você fala, o pessoal ainda fica meio cético quando você está
fazendo a consultoria lá e sugere esses tipos de coisa. Você fala: “Essa
diretoria tem que acabar”. Isso de fato acontece?
José Salibi: Sim, acontece. O problema é que hoje tem muita gente perdida
nesse mundo, por isso que tantos empresários e empresárias, executivos
nos agradecem de a gente estar dando uma luz para eles, porque como eu
mencionei, a tecnologia evoluiu muito rapidamente e os sistemas de gestão
ficaram parados no tempo, entendeu? A própria maneira de como se lidera
uma empresa ficou parada no tempo. Então a gente tem procurado mostrar
que tem uma nova gestão vindo, que você tem que mexer na cultura, você
tem que mexer na liderança, tem que entender o cliente de uma outra
forma, você tem que entender a própria educação que mudou de uma
maneira muito grande. Os sistemas educacionais estão completamente
obsoletos aqui, no Brasil e no mundo inteiro. Então asempresasvãoterque
se mexer muito mais rápido para fazer com que seus colaboradores fiquem
atentos para esse mundo que nós vivemos, porque antes você mandava o
cara lá para uma grande universidade, faculdade, o cara voltava, fazia um
curso. Hoje não tem mais, você manda o cara para lá, ele volta pior do que
foi.
Marcelo Szuster: Mas é engraçado esse exemplo que você deu, é muito
mais angustiante hoje, era muito mais simples. Ou seja, tinham várias
receitas que você podia seguir, “Boto um cara para fazer MBA ali e pronto”,
faz não sei o quê, e hoje você não tem mais nada garantido.
José Salibi: Os próprios modelos de pensamento estratégico, eles duravam
muito tempo. O modelo das cinco forças do Michael Porter durou 25 anos.
Eu lembro que o Porter vinha dar aspalestraseelefalavaquaseasmesmas
coisas, alguns exemplos diferentes e tal. O balance,
aqueles modelos que eram criados pelo BCG e tal ficavam décadas, e esse
mundo de tecnologia acabou com toda essa disrupção, você precisa criar
novos modelos o tempo todo. E a própria academia acabou vivendo nessa
maneira de se sustentar em modelos que foram criados há muitos anos
atrás, então a gente vive em um mundo bastante dinâmico hoje, e o próprio
entendimento, uma das coisas que eu estou trabalhando agora é o
entendimento do tempo. Você tem lá, eu tenho até um gráfico, a tecnologia
dobra de capacidade a cada 18 meses. Isso faz com que você tenha um
crescimento composto nas mudanças. Na interpretação do tempo, essa
velocidade é completamente diferente. Por isso que você vê hoje empresas
como Magalu, Amazon tentando entregar em cinco minutos, porque a
gente vive em um mundo de satisfação instantânea do cliente. Hoje o cara
quer criar e ele quer ter o filme que ele quiser ter a hora que ele quer, na
frente dele com a maior qualidade. Acabou. Quem não andar nesse ritmo,
e o ser humano não está acostumado a mudar, por isso que está todo
mundo indo parar em psiquiatra hoje, a minha esposa é psiquiatra. O nível
de ansiedade que esse mundo está criando é muito grande, e a gente vai
ter que criar um sistema de educação que ajude aspessoasatransitarem
nesse mundo veloz. De novo, asmudançasnuncaforamtãorápidasenunca
mais serão tão lentas. Então se você não prepara a estrutura para isso, você
não vai conseguir acompanhar.
Marcelo Szuster: Você tocou em um tema interessante. A gente aqui no
podcast fez alguns episódios sobre estoicismo, sobre você ter uma certa
atitude e aceitar se você não encontrar uma porção de coisas e fazer aquilo
que você consegue. Acho que esse é um tema cada vez mais relevante
nesse mundo de hoje, porque você vê que é como se levassem a extremos
essa questão da dicotomia do controle, porque você realmente não tem
controle quase nenhum. Você não tem controle nem disso, se você mandar
um cara para a melhor universidade do mundo, se ele vai voltar melhor ou
pior. Você não tem controle nem disso.
José Salibi: Quando eu falo de estrutura, por exemplo, você pega a estrutura
dos escritórios. Ela foi feita para o mundo comando é controle. O cara lá de
cima, geralmente o CEO está no último andar, ele manda nos que estão
embaixo. A gente vê que o mundo hoje é colaborativo, você tem que ter o
sistema flat. A própria estrutura dos prédios já está errada, e tem tantas
outras coisas que são fatores limitantes para essa transformação, e as
empresas vão precisar. Eu calculo que vai ter muito prédio vazio logo logo,
as empresas vão ficar espertas, não vão poder trabalhar desse jeito, é
impossível. Eu lembro que a minha filha foi para um grande banco outro
dia, ela olhou para o banco e falou: “Pai, eu não sei se os caras que
trabalham aqui sabem o que estão fazendo”. É tão grande, é tão alto e feito
por portas, por andares. Então a própria estrutura tem que se ajustar.
Marcelo Szuster: É curioso. Acho que no futuro aspessoasrirãodisso
mesmo, tipo: “Você acredita que antigamente tinham os prédios, o chefe
ficava lá no trigésimo para mostrar que ele é o chefe, às vezes tinha até um
elevador só para ele, para ele chegar ali mais rápido”. Acho que alguém vai
rir disso mesmo no futuro, algum arqueólogo.
José Salibi: Eu não sei o que vai acontecer com os prédios. Eu vejo, na hora
que você entra no prédio da Apple, é impressionante, inclusive tem tours
virtuais. Fascinante, totalmente pensado em colaboração, aspessoas
interagirem, serem mais rápidas, responderem mais rápidas, trabalharem
juntas. Então se o sistema estrutural não permite isso, aí fica difícil. A
própria educação. O MBA sempre foi uma coisa importante no mundo, mas
era um mundo mais previsível. Nesse mundo digital não faz mais sentido
você ficar dois anos fazendo um MBA fora. Depois de dois anos, você volta,
não sei se você tem utilidade no mercado. Os MBAs estão tendo que se
reestruturar, mas com uma grande dificuldade, porque aspessoastêm
enorme dificuldade em abandonar o que funcionou. Enorme dificuldade de
se desfazer do passado. Como diz o Peter Drucker, a gente ensina as
pessoas como fazer, mas não como parar de fazer. Então esse é um fator
bem limitante.
Marcelo Szuster: Essa frase é muito boa.
Vinícius Paiva: É legal daqui uns tempos o pessoal vai ver o currículo – daqui
uns tempos, não, talvez agora: “Nossa, esse cara aqui fez um MBA em 2020.
Ele não entendeu ainda”. Um MBA de dois anos.
José Salibi: Eu diria que o MBA é importante, mas eu acho que ele vai ter
que ser em um ano no máximo. Vai ser um intenso ano voltado para o
mercado, e a gente está vendo nos Estados Unidos, por exemplo, asgrandes
universidades, asgrandesmesmoconseguemsobreviverhojecomseus
MBAs. Harvard, Stanford. Estão lá, são as melhores e vão estar sempre lá,
mas as escolas estaduais, por exemplo, não conseguem mais ter turma. Até
a universidade do Estado do Arizona onde a minha filha estudou dá o MBA
de graça para os alunos, para quem conseguir entrar, porque eles acham
que é um custo muito grande para você ficar tão longe do mercado por
tanto tempo. Só que a educação é o último setor a ser mudado. Depois que
o mundo inteiro mudou, a educação vai começar a pensar em mudar. Esse
é o problema. É por isso que asempresasvãoterquesercadavezmais
escolas hoje, vão ter que desenvolver cada vez mais seus colaboradores,
porque você não consegue esperar que de fora alguma coisa aconteça.
Marcelo Szuster: Não, no livro você mostra que a academia mudou muito
para mudar a formação estratégica, adotar certas ideias. Uma curiosidade,
você, nessa trajetória, você chegou a ter contato com o Mintzberg? Porque
é um que falava muito sobre estratégias emergentes e também criticava
um pouco esse estudo tradicional, não é?
José Salibi: Com certeza, eu trouxe o Mintzberg para falar em um evento na
HSM, um cara muito, o pensamento dele já era bem ao contrário do que
normalmente se fazia através das descobertas, do critical MBA
completamente. E ele já criticava pesadamente os MBAs, como eram feitos.
Mas sim eu trabalhei com ele em um grande evento aqui em São Paulo.
Marcelo Szuster: Ele é um autor que eu gosto muito. Excelente.
Infelizmente, nós já estamos passando do nosso tempo aqui. Eu sempre
gosto de fazer uma mini síntese, então espero que o nosso ouvinte tenha
percebido a importância de, lá no nível estratégico, no nível da formulação
estratégica, a empresa entender que nesse mundo extremamente
dinâmico, você passa a realmente ter que ser completamente centrado no
consumidor e que isso tem consequências na forma em que você se
organiza, investe na sua cultura, nos seus sistemas de decisão que agora
têm que ser muito mais ágeis, sistemas ágeis, você tem que tirar muito
proveito das informações, dos dados que são gerados. É como se fosse uma
formulação básica. E acabou que a gente não abordou isso, mas eu achei
superinteressante como isso acaba sendo habilitador para um passo
seguinte, que é muitas empresas até se transformarem em plataformas de
negócios, porque a partir do momento em que você cria, é quase que
necessário, não é suficiente, mas é necessário para você começar a pensar
o seu negócio em uma plataforma.
José Salibi: É, a gente tem exemplos bacanas aí. A gente tem o próprio
exemplo aqui da Folha de São Paulo, que conseguiu transformar um jornal
em um portal e em uma plataforma financeira, de produtos e serviços
financeiros, banco e pagamento, essas coisas todas, enquanto asoutras
continuam melhorando o que sempre fizeram. Esse é o grande perigo, você
tentar melhorar o que você sempre fez. Cara, não tem coisa mais perigosa
do que isso.
Marcelo Szuster: É, e é o caminho mais fácil. Salibi, muito obrigado, foi um
prazer tê-lo aqui nesse episódio. Tenho certeza que o pessoal vai gostar
muito.
Vinícius Paiva: Demais, foi muito bacana o papo.
José Salibi: Parabéns pela empresa, pelo podcast. Eu sempre gosto de trocar
minhas ideias. Às vezes eu sou um pouco desbocado para falar, mas no
mundo de hoje, se a gente não der um chacoalhão, o pessoal continua
parado no tempo.
Marcelo Szuster: Exatamente, é necessário.

Descrição

Ter uma estratégia que se adapta a diferentes contextos de forma ágil é essencial, afinal as mudanças nunca foram tão rápidas. É sobre isso que conversamos com José Salibi Neto, cofundador da HSM, uma empresa líder em Educação Executiva, e autor de diversos livros que mudaram a forma que pessoas pensam sobre gestão no Brasil. Entenda como desenvolver uma estratégia adaptativa e os impactos que ela tem em seu negócio! CTA fixo: Quer conversar com Os Agilistas? É só mandar sua dúvida/sugestão para @osagilistas no Telegram ou pelo e-mail osagilistas@dtidigital.com.br que nós responderemos em um de nossos conteúdos!